terça-feira, 25 de outubro de 2016

Os riscos da “gamificação da psicologia”



“Eu baixei um aplicativo e o resultado final foi ‘risco de suicídio alto’. Minha mãe achava que era só uma tristeza passageira, minha avó dizia que eu deveria estar com pressão baixa e alguns amigos que continuaram a falar comigo achavam que eu estava fazendo drama.”
Relatos como o dessa adolescente chegam cada vez mais ao NPPI. Pessoas com qualquer tipo de problema estão usando recursos digitais, como sites, aplicativos e até games para fazer um autodiagnostico psicológico. Essa necessidade de dar um nome ao que sente visa, de alguma maneira, diminuir a angústia que a pessoa está sentindo naquele momento. Mas esses diagnósticos, normalmente feitos após responder umas poucas perguntas, são para lá de questionáveis e imprecisos. Por isso, geram um seríssimo risco para a integridade dessas pessoas, pois elas podem começar a tomar decisões a partir dessa informação.
“Cheguei até vocês depois de muita busca para aprender a identificar a depressão e a baixa autoestima. Infelizmente muito do que li nos sites na internet fez meu coração acelerar de medo, porque agora, desempregado e sem plano de saúde, só falta aparecer um problema sério desse. Já pesquisei formas de combate, inclusive vou fazer a lista de alimentos estimulantes.”
A atual crise pelo qual passa o país certamente aumenta essa sensação de vulnerabilidade e até de desespero das pessoas. Nesse cenário, elas começam a procurar soluções rápidas e até “mágicas” para seus problemas. E a internet, que é tida como um “guru que tudo sabe”, surge como uma alternativa muito sedutora e “sábia” para isso.
De uns tempos para cá, temos observado uma explosão de testes, dos mais variados assuntos, principalmente no Facebook, que não passam de brincadeiras. Mas também temos observado a existência de muitos outros, com propostas “sérias” para realizar diferentes diagnósticos psicológicos. Muitos desses testes são desenvolvidos sem a participação de um profissional de psicologia. O usuário pode realizá-lo sem o acompanhamento de ninguém, o que compromete o resultado que possa vir dali. Isso, com certeza, pode representar um sério risco ao indivíduo, que pode tomar decisões serias a partir desses resultados.
É muito difícil chegar a um diagnóstico simplesmente jogando ou fazendo um teste online, respondendo algumas perguntas. E, por isso, a explosão desses serviços é preocupante, porque muitas pessoas estão efetivamente vulneráveis e confiando nos supostos diagnósticos que eles emitem.
O primeiro alerta deve ser feito à própria comunidade de psicologia, por esta banalização e disseminação dos testes psicológicos nos meios digitais, testes que deveriam ser restritos aos profissionais da área. Os testes são instrumentos que ajudam o psicólogo a desenvolver hipóteses para ampliar e compreender melhor as características do seu cliente.
Com tudo isso, muitas pessoas nos escrevem preocupadas, por conta de diagnósticos que resultam desses serviços, que tratam de assuntos muito sérios de uma maneira automatizada.  As pessoas acreditam neles e entram em pânico, porque ficam completamente desamparadas por não ter um profissional para apoiá-las num eventual processo de recuperação.
Todos nós temos componentes positivos e negativos em nossa personalidade, que surgem em maior ou menor grau ao longo da vida. Tais testes podem mostrar, de maneira ampliada, um momento ruim de vida da pessoa com se fosse uma característica permanentemente marcante de sua personalidade.
Então uma pessoa que se submete a isso provavelmente não vai saber o que fazer com os resultados. Dessa forma, corre o risco de assumir que aquela informação é uma verdade incontestável, assumindo e se comportando como se tivesse um problema que na realidade não tem. Pior que isso: é possível que o problema surja de fato, por causa dessa sugestão.
Como dissemos acima, vivemos um momento em que parece que tudo deve ter um nome, um rótulo, onde as nuances são eliminadas. Mas o mundo é cheio de nuances, de opostos e isto é algo que esses testes não conseguem captar por si só. Além disso, passamos por um momento de fragilidade emocional por conta das crises econômicas, sociais, guerras, terrorismo e outros elementos, que fazem com que as pessoas procurem respostas para suas angústias, de preferência de uma maneira imediata. Não é de estranhar, portanto, que o público que mais usa esses serviços são os adolescentes, devido aos questionamentos da idade. Esses casos são ainda mais delicados, porque eles são naturalmente mais suscetíveis a esse tipo de resultados.

Por tudo isso, as pessoas envolvidas no desenvolvimento desses serviços precisam se conscientizar de que essa não é uma pratica legítima, e que pode causar sérios danos à população. Um diagnóstico psicológico é algo muito sério e que envolve uma análise cuidadosa de cada indivíduo. Isso não pode ser simplesmente automatizado. Não se pode gamificar a psicologia.

domingo, 27 de março de 2016

Feliz Páscoa de ressurreição!


Feliz passagem para todos nós, pois esta é época de reflexão sobre morte e renascimento. Que tenhamos a possibilidade de reciclar o nosso lixo emocional e as atitudes e crenças que estão obsoletas na nossa psique. Trabalhemos o AMOR consciente como um desafio pessoal e permitamo-nos emanar um amor mais consciente. Quando percebermos que os outros com quem nos relacionamos são verdadeiras projeções dos nossos desejos e carências, quando assumirmos que os defeitos que vemos nos outros e que nos magoam são as nossas próprias sombras a se manifestar e a pedir para serem tratadas, quando sentirmos que o verdadeiro amor está em nós e não no que o outro nos dá, então estaremos no bom caminho da liberdade e ao nosso próprio encontro.

Que consigamos ser mais leves, descompromissados e mais livres de soberba e de poder desmedido. Isso é, na realidade, o que simbolicamente vivenciamos todos os anos durante a Semana Santa, ao celebrarmos a jornada de Jesus, que é o arquétipo da Grande Síntese entre o humano e do divino. Da união das polaridades, do encontro do sofrimento e da morte com a Ressurreição. Pensemos no nosso próprio renascimento para algo novo e melhor.

Feliz Páscoa! Feliz Vida para todos, todos os dias!!!

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Novas tecnologias estão aí para nos servir e não o contrário


As tecnologias da atualidade ocupam espaço central na nossa vida, estando totalmente integradas ao nosso cotidiano. Poderíamos dizer que nossa interação com os recursos digitais já é tão natural e automática quanto o ato de acendermos a luz.
Hoje, a partir do celular que carregamos no bolso, conseguimos realizar atividades que, até bem pouco tempo atrás, nos custariam muitas horas e até, em alguns casos, bastante dinheiro. Um bom exemplo é participar de um evento que acontece em outro país. Antes, precisávamos reservar dias para a viagem, e fazer gastos com passagem e hospedagem. Hoje, com ferramentas como o Hangout (reunião on line), podemos não apenas assistir ao evento, mas também participar ativamente dele, de onde quer que estejamos. O ganho é grande!
A internet mudou dramaticamente a forma como nós vivemos. Mudou a maneira como nos relacionamos com as pessoas, como trabalhamos, como nos divertimos, como aprendemos. Mas cabe uma pergunta: isso tudo é 'apenas' bom?
Como tudo na vida, sempre há um lado bom e um ruim. A parte boa é que há muita gente se beneficiando da tecnologia, fazendo usos positivos dela como uma ferramenta extremamente versátil, diversificada e poderosa. Vejo muita gente produzindo vídeos sobre diversos assuntos, desde culinária a meditação até eventos corporativos enormes online.
É realmente muito interessante observar esse empoderamento das pessoas. Para a maioria, a experiência é mesmo muito positiva, porque estão usando essa tecnologia de maneira construtiva e consciente, ou seja, como uma superferramenta para seu dia a dia, uma maneira de deixar a sua vida mais fácil, mais divertida e produtiva.
Na última década, a popularização dos smartphones aprimorou todo esse potencial, colocando esses recursos dentro do nosso bolso, disponibilizando informações durante as 24 horas do dia. Tudo isso se deve à praticidade que oferecem, pela maleabilidade dos aparelhos e dos aplicativos. O que exige cuidado é quando algumas pessoas se perdem nesse mar de informações e possibilidades. Elas se sentem tão seduzidas por esses recursos, que dedicam a eles muito mais tempo que deveriam. Acabam vivendo em função da tecnologia, e não ao contrário, como deveria ser.
Um dos motivos que podem levar as pessoas a se comportarem desse modo é a sensação de pertencimento ao grupo, que lhes permite compartilhar sua vida com os outros e compartilhar a vida dos outros. O curioso é que, às vezes, esse compartilhamento acaba sendo uma ilusão, porque as trocas acontecem com pessoas distantes. Isso desperta sensações agradáveis de prazer no indivíduo, semelhante a certo "relaxamento". Por isso, suas defesas acabam sendo rebaixadas, abrindo espaço para que se sintam cada vez mais envolvidas e imersas nessas interações. É mais ou menos o mesmo mecanismo de quando comemos um chocolate e a endorfina, assim liberada, nos causa prazer. Em alguns casos, queremos mais e mais.
As redes sociais continuamente trabalham para criar novos recursos que ativem ainda mais essas sensações. E isso faz todo o sentido, para o sucesso dos seus negócios, pois uma rede social só existe se há pessoas usando-a. Do lado do usuário, quem consegue dominar todos esses recursos oferecidos pelos sistemas e usá-los de maneira equilibrada transforma a tecnologia em uma grande aliada.
A adoção de uma nova tecnologia pode ser natural e transparente para uma geração, porém exige esforço para a geração anterior. Essas apropriações acontecem em ciclos, como em uma espiral. Se os recursos digitais que estamos discutindo agora são transparentes para a geração atual, ela exige um grande esforço de adaptação de seus pais. Já para esses pais, algo como a televisão, que era completamente integrada ao seu cotidiano quando jovens, foi uma ruptura para a geração anterior. E assim poderíamos continuar sucessivamente com exemplos de novas tecnologias de cada época, tanto para trás quanto à frente na história humana, pois os jovens atuais também terão que enfrentar uma ruptura tecnológica quando forem mais velhos (e ela será natural para seus filhos). Quem está na faixa dos 40 anos hoje deve se lembrar que seus pais lhes diziam que a televisão os deixaria viciados. Entretanto ninguém se diria viciado em TV hoje, por mais que a tenha assistido muito.
Toda essa transformação tecnológica vem acompanhada de uma transformação sociocultural. Por exemplo, a chamada Geração Y, que já está ocupando cargos de chefia nas empresas, vive um paradoxo de produzir muito mais que seus pais, porém também trabalham muito mais. E isso acontece porque a tecnologia lhes permite nunca abandonar sua "vida digital", e isso inclui o trabalho: estão "ligados" o dia inteiro.
Por isso, lhes parece normal e aceitável receber pedidos do chefe no meio da noite seja por e-mail ou Messenger. Pior que isso: muitos respondem aos pedidos assim que chegam, qualquer que seja a hora. E a justificativa é quase sempre: "eu adoro o que faço, então não me importo de receber mensagens no meio da madrugada".
Existe uma ironia que diz que a tecnologia resolve problemas que não existiam antes dela ser criada.
Dessa forma, as pessoas criam novas maneiras de se comunicar, de se relacionar e criam contextos para si e para o coletivo. Isso está destravando muitas possibilidades para todos, um potencial que antes era menos acessível. Portanto, o que as pessoas que "nunca desligam" precisam aprender, é dizer NÃO e colocar limites a si mesmas e para o grupo a que pertencem. Pois essa aparente idolatria sem limites - seu trabalho ou a tecnologia - pode vir a cobrar altos custos ao longo de suas vidas.

Por essas razões, não devemos nos deixar levar por preconceitos - positivos ou negativos - frente aos modos de uso da tecnologia digital. Somente a experiência pessoal, lúcida e consciente poderá nos demonstrar qual é a medida justa e adequada aos limites pessoais do seu uso pleno e criativo: aquele no qual nem somos escravizados, nem fascinados pelos seus apelos. Afinal, qualquer e-mail do trabalho pode esperar até o início do expediente, na manhã seguinte. E o mundo não acabará por isso.

domingo, 25 de outubro de 2015

Consciência do uso que fazemos evita a nossa dependência da tecnologia


O ser humano sempre precisou conviver com mudanças tecnológicas, mas elas vêm acontecendo tão rapidamente, que se torna cada vez mais difícil, para algumas pessoas, absorvê-las. Há alguns dias, conversando com colegas, debatíamos justamente sobre o impacto transformador da tecnologia na vida de cada um. Estava claro para todos ali que a adoção das mais recentes inovações é um processo sem volta. Mesmo assim, alguns profissionais temem que esses produtos possam, de alguma forma, exercer um controle significativo sobre a vida dos indivíduos. Mas será que a tecnologia realmente nos controla? Ou será que estamos ”apenas” ficando dependente dessas inovações e, assim, nos tornando despreocupados com as nossas próprias informações?
Esse tipo de relação com a tecnologia aparece bem explicitamente nas redes sociais, principalmente no Facebook. Um quarto da população mundial tem conta nessa rede, incluindo, nesse cálculo, pessoas que nem têm acesso à energia elétrica (e, portanto, à Internet). Além disso, a rede de Mark Zuckerberg já chegou a contabilizar 1 bilhão de pessoas conectadas a ela em um único dia. No Brasil, o Facebook já beira 100 milhões de contas, o que representa quase a metade da população do país. Com tamanha abrangência, não seria de se espantar que qualquer ação realizada pelo Facebook causasse um impacto dramático na população mundial.
Um exemplo interessante disso aconteceu há alguns meses, quando a Suprema Corte dos EUA aprovou o casamento de pessoas do mesmo sexo naquele país. Para demonstrar seu apoio à decisão, o Facebook criou um pequeno aplicativo que colocava um arco-íris translúcido sobre a foto do perfil dos usuários que quisessem demonstrar seu apoio a essa aprovação. De uma hora para outra, a rede foi inundada com fotos permeadas pelo arco-íris, inclusive de usuários daqui. Muita gente reclamou desses brasileiros, afirmando que uma decisão semelhante já havia sido tomada no Brasil anteriormente e tal apoio não tinha acontecido. Será que o casamento de pessoas de mesmo sexo nos EUA é mais importante que no Brasil, para justificar essa diferença de manifestação? É claro que não! Mas o Facebook é uma empresa americana e, como tal, decidiu apoiar algo que estava acontecendo em seu país, criando o tal aplicativo.
É muito provável que a maioria das pessoas que modificou sua foto não faria qualquer comentário sobre o assunto se o Facebook não tivesse oferecido esse recurso. Podemos dizer, então, que o Facebook provocou um aumento na simpatia pela causa em pessoas que normalmente não estariam engajadas com ela? A resposta provavelmente é “sim”, demonstrando um controle da rede sobre os indivíduos. Mas a influência do Facebook pode ser ainda maior.
Em 2012, Adam Kramer, cientista social do Facebook, realizou uma pesquisa na qual selecionou aleatoriamente 700 mil usuários da rede. Manipulando o algoritmo do feed de notícias dessas pessoas, fez com que metade desses indivíduos passassem a ver apenas coisas negativas no seu feed de notícias, enquanto os outros 350 mil veriam apenas posts positivos. Depois disso, utilizando um sistema de análise semântica, concluiu que as pessoas que só viam conteúdos negativos passaram a publicar coisas negativas, enquanto o outro grupo postava itens positivos. Ou seja, segundo seus dados, ele conseguiu manipular as emoções dos usuários apenas alterando o sistema de controle do que cada um veria no Facebook.
A psicóloga e pesquisadora americana Sherry Turkle acredita que estejamos usando a tecnologia para preencher vazios que todos nós temos no nosso dia-a-dia, e que estamos perdendo o controle desse processo. No seu terceiro livro, “A Vida na Tela”, lançado em 1995, ela afirmava que o acesso à internet seria uma ampliação de possibilidades para o ser humano. Porém, hoje ela acredita que as pessoas não conseguem mais se desconectar e, por isso, estão perdendo a capacidade de desenvolver conversas “reais”, apesar de estarem constantemente em contato virtual com os outros. Daí vem o título do seu novo livro de 2011, “Alone Together” (sem título em português).
O smartphone seria uma porta entre a realidade presencial das pessoas e situações que podem estar acontecendo em qualquer lugar do mundo, das quais podem participar virtualmente. E um dos lugares onde isso mais acontece é em casa, na comunicação entre os membros da família. Turkle sugere que a constante conexão das pessoas a seus celulares enfraquece os vínculos familiares, com efeitos muito negativos em todos, principalmente sobre as crianças.
A ficção já explorou essa ideia muito bem. Por exemplo, a série “Caprica”, do canal SyFy (2010), retrata a adolescente Zoe, filha de dois cientistas que eram pais ausentes. A exemplo de seu pai, dono de uma empresa que fabricava robôs e produtos ligados a realidade virtual e inteligência artificial, Zoe, ainda adolescente, preenchia essa ausência com suas próprias pesquisas de tecnologia avançada, o que acabou lhe permitindo criar uma imagem fiel da personalidade e das memórias de uma pessoa em um ambiente virtual. Essa personagem acaba sendo morta em um atentado, mas “ressuscita” no mundo virtual e mais tarde em um robô do seu pai, graças ao programa que ela havia criado e que tinha uma cópia detalhada de sua psique. Posteriormente, essa tecnologia acabou tendo um uso deturpado pela sociedade, o que levou à quase destruição da humanidade décadas depois.
Estudo realizado no começo do ano pela Symantec apontou que 74% dos brasileiros cedem dados pessoais constantemente para poder usar aplicativos em celulares, e muitas vezes de maneira consciente. Ou seja, para poder ter acesso às últimas novidades digitais, compartilhar a sua privacidade parece ser um “preço justo” a se pagar.
Como é de se esperar, as pessoas estão usando cada vez mais os recursos tecnológicos, a ponto de isso começar a causar problemas físicos e psicológicos. Esse tipo de paciente começa a ficar comum em consultórios de psicólogos e médicos. Além das questões psicológicas descritos acima, as pessoas começam a apresentar lesões por esforço repetitivo e tendinite pelo uso constante desses aparelhos.
Precisamos fazer um uso consciente e criativo da tecnologia. Ninguém está propondo que se deixe de usar os celulares, as redes sociais ou os games. O que se propõe é que eles não sirvam como compensações.
Se uma rede social está sendo usada por uma criança ou um adolescente como uma maneira de se relacionar com outras pessoas porque não tem um bom diálogo com os pais, então ela cria uma ilusão de que está acompanhada. Porém, na verdade, está ampliando ainda mais seu problema real, ou seja, seu relacionamento familiar deficiente. O mais grave é que a tendência é que a criança ou o adolescente fique cada vez mais dependente desse recurso tecnológico, justamente porque dessa maneira o problema original não se resolve.
Também podemos questionar o motivo que leva as pessoas a usarem cada vez mais aplicativos para encontrar parceiros amorosos ou sexuais. Isso acontece porque eles facilitam o processo de conhecimento e conquista do outro, reduzindo as frustrações e permitindo que cada um se apresente de uma maneira idealizada. As pessoas pulam etapas importantes para a construção desses relacionamentos e também de suas próprias personalidades, pois tais frustrações são necessárias para o fortalecimento do ego de cada indivíduo.
Mas o que aconteceu com o jeito “tradicional” de conhecer pessoas? Ele não deixou de existir. Usar esses aplicativos de vez enquanto pode ser interessante, mas fazer isso constantemente, como a única forma de conhecer pessoas, já dispara um sinal de alerta. Não podemos nos esquecer que a vida continua acontecendo “fora” dos smartphones, e ela precisa ser vivida. Todo programa, aplicativo, game e rede social é construída para que a pessoa fique cada vez mais tempo dentro dela: afinal, esse é seu negócio. Mas precisamos, justamente neste ponto, ter mais consciência do seu uso, para que isso não vire uma dependência e passemos a ser controlados por esses sistemas. Nestas situações, é importante que as pessoas parem e pensem sobre a real necessidade ou urgência do uso desses recursos tecnológicos, para que tenham mais consciência e não transformem um uso saudável em uma relação ruim. Como dissemos acima, o objetivo de todos esses produtos é que a pessoa os utilize cada vez mais, compartilhe cada vez mais as suas informações e até se exponha cada vez mais, extrapolando seus limites pessoais. Cabe a cada um evitar que isso aconteça.
No caso de crianças e adolescentes, eles ainda não conseguem fazer isso totalmente sozinhos. Pais e educadores são importantes neste processo. Como para qualquer outra coisa, os jovens precisam que limites sejam estabelecidos, combinados e cumpridos. Não se trata de simples proibição: se for feito dessa forma, a criança encontrará outros meios de burlar o limite. Pais e educadores devem explicar porque estão fazendo aquilo e oferecer alternativas, combinando atividades tecnológicas com eventos com outras crianças e familiares, passeios ao ar livre, esportes, entre outros, coisas que mudem seu foco e os ajude a extravasar e gastar energia. Além disso, os mais novos aprendem pelo exemplo: de nada adianta impor limites se os próprios pais, na sua relação com a tecnologia, demonstram um uso excessivo. Crianças e adolescentes se espelham nos seus pais, cuidadores ou professores.
A tecnologia que facilita esse “o fim justifica os meios” é muito sedutora. Fica fácil gostarmos dela e acabarmos dependentes de seus recursos. Como dissemos acima, não é uma questão de abandonar o seu uso, mas sim de não nos entregarmos cegamente aos seus encantos. Pois “usarmos conscientemente”, “sermos dependentes” ou “sermos controlados” são apenas diferentes graus ou intensidades de seu uso e do autoconhecimento de cada indivíduo no seu relacionamento com os recursos oferecidos pela tecnologia.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

A importância dos psicólogos se capacitarem para atendimentos online


A internet tornou-se uma ferramenta muito importante na vida das pessoas, sendo usada para trabalho, lazer e até relacionamentos, conhecimento e informação em geral. Isto vem acontecendo há 20 anos, porém nos últimos anos esse consumo tem acontecido de maneira muito mais veloz e natural, quase uma “simbiose” entre o homem e a máquina, especialmente pela popularização dos smartphones. Isso impactou o comportamento humano, com as pessoas vivendo uma nova forma de ser e estar no mundo.
Por conta disso, hoje se pode encontrar todo tipo de serviço na internet. Podemos buscar profissionais das mais diversas áreas, e até mesmo se vê que muitos serviços, que até então exigiam estar com o prestador, hoje são executados de maneira totalmente online. Isso vale também para serviços psicológicos.
A demanda pela terapia online já é grande e continua crescendo. Os motivos que levam as pessoas a procurar essa modalidade de atendimento ao invés de uma visita ao consultório são os mais diversos: “falta de tempo pela correria do cotidiano”, a pessoa viver em uma cidade pequena que não tenha psicólogo, pessoas que estão viajando ou aquelas que vivem em outros países, mas preferem ser atendidos por um profissional de sua nacionalidade, e ainda aqueles que não podem sair de casa, por diferentes causas. E há também aqueles que simplesmente preferem o atendimento online, por exemplo por timidez, ficando mais à vontade para se expressar pelo computador.
É preciso que fique claro que, apesar de o atendimento online ser tão eficiente quanto um presencial, ele não pode ser usado em qualquer situação, e de forma alguma deve ser visto como um substituto da terapia no consultório. É apenas mais uma modalidade de atendimento, que pode funcionar muito bem com algumas pessoas, mas nem tanto com outras. Exatamente como acontece com as diferentes linhas de atendimento tradicionais.
Por conta disso, o psicólogo precisa estar capacitado para lidar com as peculiaridades e as nuances de um atendimento online, inclusive para identificar casos patológicos que não devem ser atendidos dessa forma. Portanto, a princípio, qualquer profissional poderia realizar atendimentos online, desde que esteja habilitado para isso e siga as boas práticas que já constituem uma norma do CFP (Conselho Federal de Psicologia), através da Resolução CFP Nº 012/2005. Não basta apenas criar um site e começar a atender.
Por isso, assim como acontece antes de um atendimento em consultório, surgem dúvidas na hora de escolher o profissional. Além de insegurança que muitos sentem por contar sua vida a um “desconhecido”, surge o questionamento se um atendimento à distância realmente é eficiente. Essas questões são naturais, e a busca de um psicólogo para atendimento online fica melhor se a pessoa tiver recomendações de conhecidos. Mas na internet essa busca pode ficar ainda mais simples e refinada, pois, além de perguntar para seus amigos, a pessoa pode procurar por recomendações do profissional em redes sociais e sites especializados. Além disso, se o profissional tiver o seu próprio site, este deve ter o selo do CFP que autentica que o psicólogo está habilitado também a oferecer atendimentos online.
Tudo que vem surgindo é a própria produção do ser humano, trazendo sempre coisas boas e ruins. Cabe a cada um e aos profissionais que lidam com pessoas –psicólogos, professores, pedagogos e outros– assumirem uma postura aberta à nova realidade, para trabalhar na conscientização de um bom uso do novo que vem surgindo cada vez mais depressa.
No caso dos psicólogos, eles precisam estar preparados para atender essas demandas, não só de atendimento online, mas também de queixas relacionados a tecnologia que chegam aos consultórios. Não apenas do ponto de vista técnico e ético, mas também para compreender as novas nuances do comportamento humano. Um exemplo de problema que não existia até bem pouco tempo atrás são os ligados a redes sociais, como por exemplo ansiedade o ciúme causado por posts do cônjuge. Alguns poderiam dizer que não se trata nada além de ciúmes (o que não é nada novo). Mas os recursos oferecidos pela internet amplificam de tal forma que essa questão, que podemos dizer que se trata de uma forma inédita de lidar com seus próprios sentimentos.
Para o psicólogo, não basta saber o que é o Facebook ou como usá-lo: é preciso saber conduzir essa situação com um olhar mais apurado. E, no caso de atendimentos online, quando o trabalho é realizado por email, por exemplo, é preciso de treino para intuir as emoções que estão plasmadas em aparentemente simples palavras, que vêm carregadas de sentimentos, angústia, insegurança e outros sentimentos.
Seja como for, o atendimento, online ou presencial, deve ser realizado seguindo o Código de Ética dos psicólogos, respeitando o sigilo e cuidado com a intimidade dos pacientes. E, no caso do atendimento online, existem cuidados adicionais, já que esta modalidade não seria uma mera transposição da terapia convencional para o mundo digital: ela requer, pelo fato de o profissional não estar no mesmo ambiente do paciente, cuidados específicos, como criar um canal seguro para que o que for conversado nas sessões não seja acessado por outras pessoas.
Os profissionais devem se apropriar de seu papel nesse momento para oferecer um atendimento de qualidade a seus pacientes. Uma boa maneira de se fazer isso é participando de grupos de estudo ou de cursos de capacitação, como os oferecidos pelo NPPI (um novo módulo, totalmente online, começa agora em março: http://www.pucsp.br/pos-graduacao/especializacao-e-mba/psicologia-e-informatica-um-panorama-sobre-os-relacionamentos-virtuais-e-os-servicos-psicologicos-mediados-por-computadores ). Como se vê, os psicólogos vivem um momento muito rico de amadurecimento de uma nova modalidade de atendimento. Todos devem participar, seja no seu trabalho cotidiano, seja com as pesquisas nas universidades ou com as discussões nos Conselhos.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O polêmico uso das novas tecnologias pelas crianças


Há alguns dias, participei de um debate sobre o uso da tecnologia na primeira infância, promovido pelo Sesc - Santos. A questão de quando e como uma criança deve ser exposta à tecnologia vem mobilizando pais e educadores.
Os aparelhos tecnológicos estão aí, presentes no dia-a-dia dos pequenos. Se pararmos para pensar, as crianças não precisam exatamente “ser apresentadas” à tecnologia digital, pois elas já nasceram em um meio permeado por ela. Portanto, está completamente inserida na vida dos pequenos, assim como a eletricidade ou a água encanada.
Uma criança saudável, principalmente as bem pequenas, é ávida por explorar o mundo que as rodeia, os objetos que as cercam. É dessa forma que elas naturalmente vão entrando em contato com esses aparelhos digitais. Os pais, por sua vez, devem estar perto das crianças e acompanhá-las nessa exploração.
Alguns pais e educadores acreditam que a criança não deva ter acesso à tecnologia até o fim da infância, mas simplesmente proibir ou impedir tal acesso é um expediente que não funciona. Se isso acontece, a criança acaba encontrando outras maneiras para usar a tecnologia, em outro lugar sem o conhecimento e a supervisão. E isso tira da família a oportunidade de orientar seus filhos sobre esse uso.
Ao invés de proibir, os pais devem oferecer outras atividades aos seus filhos, para que os dispositivos digitais sejam apenas “mais uma”, entre as atividades da criança, e eles possam se desenvolver mais amplamente. Se outras coisas forem intercaladas com o manuseio dos aparelhos digitais, as crianças se prontificarão e aproveitarão todas essas ofertas. Elas também adorarão brincar no parque, estar com outras crianças e outros adultos. Assim, poderão desenvolver suas habilidades sociais, tão importantes nessa faixa etária. Os pais também devem ler histórias aos filhos, pois isso ajuda a desenvolver a fantasia e criatividade. E as crianças também devem usar brinquedos convencionais, não digitais, instrumentos musicais e realizar outras atividades manuais e com o corpo.
De forma geral, sabemos o quanto é importante que os pais se envolvam e tenham interesse verdadeiro em saber e acompanhar o que seus filhos fazem. Isso também vale para o que fazem com as ferramentas digitais.
O uso da tecnologia, desde apps em tablets, até uma câmera fotográfica digital, pode trazer muitos benefícios para essa faixa etária. Uma das mais interessantes é a experimentação, em que a criança aprende fazendo, sem o temor de errar. Dessa forma, ela desenvolve sua autoconfiança e a capacidade de explorar alternativas para atingir um objetivo conhecido. Isso favorece o raciocínio analítico e a criança aprende a usar a tecnologia como uma ferramenta para resolver os problemas do seu cotidiano.
Um bom exemplo disso aconteceu com a filha de uma amiga, que queria desenhar um gato, mas nem ela nem a mãe sabiam como. Então, a menina, de seis anos, procurou um tutorial no YouTube e agora ela e a mãe sabem desenhar os bichanos.
O domínio tão natural dessas ferramentas pelas crianças permite uma troca muito rica entre elas e os adultos, incluindo os avós. Se, por um lado, os adultos podem oferecer uma boa orientação sobre os seus usos, por outro as crianças podem lhes explicar como usar a tecnologia, do ponto de vista prático, de maneiras criativas e inventivas.
Assim como os pais, os professores também devem estar prontos para lidar com essas questões. Da mesma forma que proibir essas práticas em casa não funciona, não adianta querermos proibi-las na escola. Se um aparelho digital é banido da sala de aula, seu uso pode virar uma “transgressão” que os alunos vão querer fazer. Ao invés disso, se o professor for capaz de trazer a tecnologia para dentro da aula, como uma ferramenta para atingir seus objetivos pedagógicos, ela não apenas deixa de ser um fator de dispersão, como também pode se tornar uma importante aliada para que os alunos executem as suas tarefas.
Hoje as crianças chegam à sala de aula com um novo jeito de pensar e com uma grande quantidade de informações. O professor não é mais a sua única fonte de informação. Essa condição, ao contrário de ser negativa como entendem alguns, lhe dá a oportunidade de executar uma tarefa em sala muito mais nobre, que é a de um tutor com experiência para orientar as crianças para que toda essa informação se transforme em conhecimento, ajudando-as a identificar o que é informação boa e o que é informação ruim, confiável ou não.
Dessa forma, o domínio da tecnologia pelo professor passa a ser um grande aliado pedagógico. Houve um caso em que uma criança de cinco anos criticou o coleguinha por que não tinha pintado o seu sapo de verde. O outro, muito confiante, lhe respondeu que existem “sapos amarelos e até vermelhos”, pois tinha visto isso no Google. Em outro caso, um aluno de dez anos de uma conhecida escola em São Paulo resolveu levar um trabalho dentro de seu PSP (Playstation Portable), surpreendendo o professor. Ele poderia ter recusado o trabalho, o que frustraria o aluno que executou a tarefa com a ferramenta que achou mais conveniente. Mas, ao invés disso, valorizou a iniciativa da criança.
O uso da tecnologia por crianças pequenas pode ser, portanto, saudável e benéfico para seu desenvolvimento. Tirar delas essa oportunidade não lhes traz um beneficio aparente e ainda pode fazer com que elas percam oportunidades do mundo em que vivem. Mas tudo isto deve ser feito com critério e orientação dos seus pais e professores.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O que acontece quando você fica elogiando a inteligência de uma criança

Gabriel é um menino esperto.
Cresceu ouvindo isso.
Andou, leu e escreveu cedo.
Vai bem nos esportes.
É popular na escola e as provas confirmam, numericamente e por escrito, sua capacidade.
“Esse menino é inteligente demais”, repetem orgulhosos os pais, parentes e professores. “Tudo é fácil pra esse malandrinho”.
Porém, ao contrário do que poderíamos esperar, essa consciência da própria inteligência não tem ajudado muito o Gabriel nas lições de casa.
- “Ah, eu não sou bom para soletrar, vou fazer o próximo exercício”.
Rapidamente Gabriel está aprendendo a dividir o mundo em coisas em que ele é bom, e coisas em que ele não é bom.

gabriel3

A estratégia (esperta, obviamente) é a base do comportamento humano: buscar prazer e evitar a dor. No caso, evitar e desmerecer as tarefas em que não é um sucesso e colocar toda a energia naquelas que já domina com facilidade.

Mas, como infelizmente a lição de casa precisa ser feita por inteiro, inclusive a soletração, de repente a auto-estima do pequeno Gabriel faz um… crack.

Acreditar cegamente na sua inteligência à prova de balas, provocou um efeito colateral inesperado: uma desconfiança de suas reais habilidades.
Inconscientemente ele se assusta com a possibilidade de ser uma fraude, e para protegê-lo dessa conclusão precipitada, seu cérebro cria uma medida evasiva de emergência: coloca o rótulo dourado no colo, subestima a importância do esforço e superestima a necessidade de ajuda dos pais.
A imagem do “Gabriel que faz tudo com facilidade” , a do “Gabriel inteligente” (misturada com carinho), precisa ser protegida de qualquer maneira.
Gabriel não está sozinho. São muitos os prodígios, vítimas de suas próprias habilidades de infância e dos bem intencionados e sinceros elogios dos adultos.
Nos últimos 10 anos foram publicados diversos estudos sobre os efeitos de elogios em crianças.
Um teste, realizado nos Estados Unidos com mais de 400 crianças da quinta série (Carol S. Dweck / Ph.D. Social and Developmental Psychology / Mindset: The New Psychology of Success), desafiava meninos e meninas a fazer um quebra-cabeças, relativamente fácil.
Quando acabavam, alguns eram elogiados pela sua inteligência (“você foi bem esperto, hein!) e outros, pelo seu esforço (“puxa, você se empenhou pra valer hein!”).
Em uma segunda rodada, mais difícil, os alunos podiam escolher entre um novo desafio semelhante ou diferente.
A maioria dos que foram elogiados como “inteligentes” escolheu o desafio semelhante.
A maioria dos que foram elogiados como “esforçados” escolheu o desafio diferente.
Influenciados por apenas UMA frase.
O diagrama abaixo mostra bem as diferenças de mentalidade e o que pode acontecer na vida adulta.
graf
O Malcom Gladwell tem um ótimo livro sobre a superestimação do talento, chamado “Fora de Série” (“outliers”). Lá aprendi sobre a lei das 10 mil horas, tempo necessário para se ficar bom em alguma coisa e que já ensinei pro meu filho.
Se você tem um filho, um sobrinho, ou um amigo pequeno, não diga que ele é inteligente. Diga que ele é esforçado, aventureiro, descobridor, fuçador, persistente.
Celebre o sucesso, mas não esqueça de comemorar também o fracasso seguido de nova tentativa.
UPDATE : Apenas alguns esclarecimentos a alguns dos comentários…
01. Não, eu não estou dizendo para não elogiar as crianças. E não, também não estou dizendo para você nunca dizer para o seu filho que ele é inteligente. É apenas uma questão de evitar o RÓTULO.
02. Evidentemente não sou o autor dessa tese/teoria, muito menos desse estudo citado no post. Escrevi justamente SOBRE essa linha de pensamento. Quem escreveu essa teoria foi Carol S. Dweck / Ph.D. Social and Developmental Psychology / Mindset: The New Psychology of Success(http://news.stanford.edu/news/2007/february7/dweck-020707.html) como foi citado acima e nos comentários também.
03. Gostaria de aproveitar o update e agradecer pelos inúmeros comentários e likes, o que prova o quanto esse assunto é fascinante.

Máscaras


Carregamos muitas máscaras e às vezes esquecemos de tirá-las. Pode ser a exigência da sociedade que nos faz vesti-las, não percebemos e assim vamos ficando engessados, esquecendo-nos qual a nossa verdadeira face.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

O “mundo virtual” é bastante real


Conversando com amigos, ainda me deparo com muitos deles se referindo às atividades que realizam na internet como se suas “vidas virtuais” fossem vivencias separadas da “vida real”, isto é, independentes do que fazem fora da web. Mas o que a internet - as redes sociais e todas as modalidades digitais, inclusive games - tem de especial que leva as pessoas a criar essa cisão entre suas supostas vidas reais e virtuais?
Percebo essa atitude principalmente em adultos, que têm muitos questionamentos sobre as coisas que fazem na internet. Nos jovens essa cisão pouco aparece expressa, enquanto as crianças parecem sequer imaginar essa separação.
Por coincidência, soube recentemente da experiência do jornalista Paul Miller, editor-sênior do portal The Verge, que, por decisão própria, abandonou completamente a os meios digitais por um ano, ficou sem internet, desligou o smartphone e ficou completamente offline. Paul tomou essa decisão no começo de 2012, porque achava que a internet ocupava tempo demais na sua “vida real”, o privava de experiências “reais” enriquecedoras e até o afastava de pessoas “reais”. Cortou todos os vínculos online para encontrar o que ele mesmo chamou de “um Paul melhor”. Um relato detalhado da vivência, feito por ele mesmo, pode ser lido em http://mobile.theverge.com/2013/5/1/4279674/im-still-here-back-online-after-a-year-without-the-internet
Ao final da experiência e já reconectado, ele reconhece: “eu estava errado”.
No começo, todos os acontecimentos pareciam corroborar sua tese. Mas, com o passar do tempo, ele foi percebendo que não era bem assim. No final, ele concluiu justamente que a “vida real” e a “vida virtual” são uma coisa só: sua própria vida. O que ele faz ou deixa de fazer, suas virtudes e seus defeitos, como se relaciona com as pessoas, como trabalha, enfim como vive depende única e exclusivamente dele mesmo. A internet é só uma ferramenta para expressar tudo isso. Pode até potencializar cada uma dessas características, mas ela não cria nem destrói nada por si mesma.
 que motivou Paul Miller a separar a “vida real” da “virtual” e como ele chegou à conclusão de que isso não existe aconteceu seguindo padrões de pensamento que inconscientemente estão dentro de todos nós. Essa dinâmica de desenvolvimento das pessoas é descrita pela psicologia analítica de Jung.
Esse caminho pode ser trilhado por qualquer um em diferentes momentos de sua vida, principalmente a partir da adolescência, e por diferentes motivos. Esse processo é representado pelo “Mito do Herói”.
Em sua estrutura básica, esse mito narra um processo de afastamento, ou isolamento do indivíduo, que inicia uma jornada da busca por algo de grande importância para ele ou para seu povo, e seu posterior retorno ao local de sua origem. O mito é dividido em três fases principais. A primeira delas é a “partida”, na qual o herói deixa a casa e todo seu conforto e parte para a aventura. A segunda - a “iniciação” – é aquela na qual o herói precisa passar por todos os desafios que promoverão a sua transformação. E a última fase é o “retorno”, quando o herói regressa à sua casa mais amadurecido, portador de novos conhecimentos e habilidades.
No caso de Paul Miller, a “partida” correspondeu ao abandono de uma vida totalmente conectada à internet para um período off-line, em busca do seu “Paul melhor”. Ao longo do ano, foi confrontado com novas realidades, que lhe exigiram e proporcionaram novas experiências, mas que também permitiram ampliar a sua consciência sobre vários aspectos da vida cotidiana da atualidade. Entre esses, atividades como usar o correio convencional, o mapa impresso em papel, andar de bicicleta e encontrar pessoas presencialmente. Se, por um lado, o fato de viver dessa forma lhe proporcionava novos prazeres, por outro ele se sentia angustiado, pois muitas coisas passaram a ser muito mais difíceis de ser realizadas, como responder a correspondência ou até mesmo encontrar as pessoas.
Por isso, passada a fase inicial da euforia, que o levou até mesmo a perder nas primeiras semanas mais de sete quilos sem fazer esforço, o jornalista começou a perceber que os problemas por estar online haviam sido substituídos por outros, gerados pelo fato de estar off-line. Mas, esses “novos problemas” provinham, na realidade, dele mesmo e, de certa forma, percebeu serem estes apenas novas versões dos mesmos “velhos problemas”.
A partir dessa percepção, Miller concluiu que não existia uma real separação entre esses dois mundos – o virtual e o real – mas que, em ambos ambientes seu comportamento apenas correspondia às diferentes expressões do seu próprio ser. E ainda, que as coisas boas e ruins que aconteciam quando ele estava online ou off-line são decorrências de sua forma particular de ser, e não do fato de estar conectado ou não.
A internet é apenas mais uma ferramenta que todos nós podemos utilizar. Pelo fato dela nos proporcionar um leque variado de alternativas e possibilidades, as pessoas, principalmente os adultos, estabelecem essa separação entre as atividades realizadas online e o que fazemos presencialmente. As crianças não agem dessa forma porque elas já conheceram a internet de uma maneira totalmente integrada ao seu cotidiano: algo tão simples quanto o fato da eletricidade estar presente e disponível nas tomadas das suas casas.
Estabelecer contatos online é, de certa forma, semelhante a falarmos com alguém pelo telefone. Antes da sua invenção, precisávamos ir até a pessoa com quem quiséssemos conversar. Com o surgimento do telefone, deixou de ser necessário. Mas isso não quer dizer que o interlocutor esteja dentro do telefone (e ninguém hoje pensaria dessa forma).
De maneira equivalente, tudo o que hoje já fazemos via internet pertence e está inserido no nosso mundo, no “mundo real” e não em um suposto “mundo virtual”. Paul Miller precisou percorrer a jornada do herói durante um ano para chegar a essa conclusão: a vida é, na realidade, muito mais simples e única.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Feliz Páscoa de ressurreição!




Feliz passagem para todos nós, pois esta é época de reflexão sobre morte e renascimento. Tenhamos a possibilidade de reciclar o nosso lixo emocional e as atitudes e crenças que estão obsoletas na nossa psique. Trabalhemos o AMOR consciente como um desafio pessoal e permitamo-nos emanar um amor mais consciente. Quando percebermos que os outros com quem nos relacionamos são verdadeiras projeções dos nossos desejos e carências, quando assumirmos que os defeitos que vemos nos outros e que nos magoam são as nossas próprias sombras a se manifestar e a pedir para serem tratadas, quando sentirmos que o verdadeiro amor está em nós e não no que o outro nos dá, então estaremos no bom caminho da liberdade e ao nosso próprio encontro.
Que consigamos ser mais leves, descompromissados e mais livres de soberba e de poder desmedido. Isso é, na realidade, o que simbolicamente vivenciamos todos os anos durante a Semana Santa, ao celebrarmos a jornada de Jesus, que é o arquétipo da Grande Síntese entre o humano e do divino. Da união das polaridades, do encontro do sofrimento e da morte com a Ressurreição. Pensemos no nosso próprio renascimento para algo novo e melhor.
Viva plenamente!!

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Os dois lados da auto-exposição na WEB


O brasileiro é o povo que mais gasta seu tempo em redes sociais no mundo. Além disso, em 2011 a venda dos smartphones praticamente se igualou à de computadores no país (para 2012 está previsto que esses celulares superem os computadores). Como veremos, esses dois dados ajudam a explicar um novo tipo de comportamento observado entre os nossos internautas: a superexposição voluntária.
Do ponto de vista social, a internet pode ser comparada a uma enorme festa, um espaço aberto, acolhedor e descontraído, onde podemos demonstrar o quão “alegres nos sentimos”, “lindos somos”, “bem vestidos estamos” e “bem sucedidos somos”. Uma festa onde tudo podemos, onde euforicamente conversamos e mostramos nossos sentimentos e desejos mais íntimos e até mesmo as nossas dores, faltas ou preconceitos mais arraigados. E a nossa intensa participação nas redes sociais, especialmente Facebook, Orkut e Twitter, são a expressão máxima desse fenômeno.
Nesse estado alterado da consciência, em que agimos como se estivéssemos sonhando com os olhos abertos, reduzimos nossas defesas e nosso senso crítico. Por isso, é impressionante a quantidade de ações que podemos executar na rede sem pensar muito nas consequências que tais atos podem nos causar. E além de se exporem de maneiras impensadas, as pessoas fazem isso com frequência cada vez maior.
Mas, porque que as pessoas se expõem dessa maneira? Um dos motivos mais comuns é o desejo de cada um de se sentir importante, reconhecido, amado, querido e acolhido pelo outro. Do ponto de vista psicológico, o desejo é explicado como um querer, um impulso de alguém para obter algo, seja pessoas ou objetos. O desejo, portanto, nos impulsiona e nos motiva. Isso acontece no âmbito do ego, o componente da psique que busca equilíbrio entre nossas vontades e as limitações da realidade. Por seu intermédio o desejo aflora e se manifesta em formas que podem variar desde algo simples e controlável, até algo compulsivo e incontrolável. E o ego encontrou nas redes sociais um terreno fértil para testar esses limites.
Esse exercício do desejo é o que nos permite encontrar, por exemplo, donas de casa recatadas que se revelam na rede como mulheres sedutoras, ou ainda executivos, que agem de maneira tão formal em seu ambiente profissional, mas que se mostram expansivos e descontraídos na WEB. A grande quantidade de conteúdo inusitado publicado por esses personagens são manifestações de seus diferentes desejos e fantasias.
Esse tipo de conteúdo absolutamente pessoal acaba encontrando acolhimento na rede de amigos da pessoa. O apoio dos amigos pode levar o internauta a postagens mais “perigosas”, como publicar suas próprias fotos usando pouca roupa, falar mal do seu chefe publicamente, expor situações comprometedoras do parceiro (principalmente quando foram traídos), só para citar alguns exemplos mais comuns. O apoio eventualmente recebido alimenta ainda mais o seu desejo e esse sentimento vai crescendo exponencialmente.
É importante deixar claro que não há problema, a priori, no fato de se postar fotos picantes ou outro tipo de ousadia. Mas essa escolha deve ser feita com critério e, principalmente, consciência dos riscos envolvidos, especialmente quando o público se torna maior e até mesmo desconhecido, como ocorre costumeiramente na internet. O problema passa a existir quando essa auto-exposição foge do controle do internauta, ou seja, quando o ego “perde as rédeas” e o desejo de se expor começa a dirigir as escolhas e o próprio comportamento da pessoa.
Ninguém precisa ser “santo”, mas deve-se pensar antes de contar para o mundo os nossos “segredinhos”, pois após serem expostos na internet torna-se muito difícil reverter esse processo. Muito mais do que se esses segredos fossem expostos a um grupo restrito de amigos fora da rede.
Além desses componentes psicológicos, há ainda um componente tecnológico e de mercado que facilita essa exposição compulsiva: os smartphones são cada vez mais populares. Eles permitem que as pessoas deem vazão a esses desejos no lugar onde estiverem e quando quiserem. Antes dos smartphones, era necessário um computador com acesso à internet, entrar na rede social para, só então, poder fazer seu post, o que muitas vezes acabava desestimulando essa tarefa, um pouco mais difícil de ser realizada.
Os smartphones permitem às pessoas exprimir seu desejo de maneira quase instantânea, o que ganha ares ainda mais automáticos, impensados e impulsivos. Quando o post é feito na hora em que o sentimento aflora, a sensação de importância associada aumenta.
Portanto, tudo depende da força do nosso ego. Os desejos, por si só, podem ser muito positivos. A dona de casa que se sente poderosa e sedutora e o executivo conseguindo relaxar podem estar adquirindo ferramentas excelentes para se tornarem pessoas melhores e mais completas. Desde que essa espécie de “treinamento virtual” seja realizada com critério. Sem o adequado controle do ego, a coisa se inverte, e o que poderia ser um ganho pessoal pode se tornar uma grande dor de cabeça. Assim, por mais que nossos amigos “curtam” ou “retuitem” as expressões dos nossos desejos, não podemos nos tornar escravos desses prazeres digitais.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O que há por trás da irresistível atração das redes sociais


Há anos, quando criei minha primeira conta de e-mail, ligava meu computador e me emocionava ao ouvir o som de “chegou mensagem para você”. Era um singelo aviso de que alguém tinha me mandado um e-mail. Depois, vieram os barulhinhos do ICQ e do MSN, que também causavam a mesma sensação. Surgiram então as redes sociais e suas comunidades, até chegarmos finalmente no Facebook, que, apesar de não ser o mais recente, é a “bola da vez” no que diz respeito a interação pela internet.
À medida que o tempo foi passando, o ciberespaço tem oferecido maneiras cada vez mais ricas e sofisticadas de nos sentirmos de alguma forma, conectados com pessoas de diferentes partes do mundo, como se estivessem ao nosso lado. E os internautas gostam muito dessa facilidade.
Nos dias 6 e 7 de outubro/11, durante o evento “Psicologia On-line São Paulo 2011 - Discutindo as Dimensões do Atendimento Psicológico à Distância” (no CRP-SP), um dos palestrantes mencionou dados interessantes divulgados pelo instituto comScore, referência mundial em métricas de internet. Segundo esse instituto, de março de 2010 a março de 2011 o tempo gasto por americanos na internet como um todo caiu 9%. Em contrapartida, no mesmo período o tempo gasto no Facebook aumentou 69%.
De fato, toda vez que entro no Facebook percebo que muita gente já passou por lá desde meu último login. Essas pessoas postaram uma série de comentários, notícias, críticas, pensamentos, fotos de seus familiares, comentários sobre a balada da noite anterior ou até mesmo o que estavam fazendo naquele momento, por mais sem importância que fosse. É como se existisse uma necessidade urgente de saber do outro e de se mostrar para o outro em meio a esse mar de informações, onde tudo pode ser expresso, onde tudo pode acontecer.
Eu me pergunto: será que as pessoas estão ficando alienadas ou estão sendo “sugadas” por esse mundo tão sedutor que está a nossa frente, o tempo todo nos convidando para experimentar seus “suculentos aperitivos”? O que torna tudo isso mais interessante é que são os nossos amigos, as pessoas que apreciamos, ou amigos do passado que não víamos há anos, que nos apresentam aquilo que queremos ver ou saber. De alguma forma, existem ali interesses comuns por determinados assuntos, além de coisas das quais gostamos.
Como o Facebook parece acertar tão bem meus gostos? Chego a perguntar: o que há de tão especial nesse espaço virtual no qual mergulhamos aparentemente sem nenhum receio, e do qual, cada vez mais, fazemos parte? Será que, de alguma maneira, as pessoas estão sendo moldadas, controladas pela internet, pelo Facebook sem se darem conta? Para onde estamos caminhando com tudo isto?
Lembro-me do filme Wall-E e dos passageiros da nave Axion, todos bem acomodados, sendo servidos por robôs sem fazer esforço algum. Por conta de toda essa mordomia, as pessoas foram se tornando completamente sedentárias e obesas. Até seus corpos se atrofiaram e nem andar podiam mais: moviam-se sentados em cadeiras flutuantes. Além disso, tudo o que tinham a fazer, ou como deveriam se comportar lhes era informado por meio de mensagens publicitárias, seguidas por todos sem nenhum questionamento.
Saindo da ficção, o ativista americano Eli Pariser nos apresenta ideias interessantes sobre esse fenômeno em sua teoria chamada “bolha de filtro“. Esse autor procura demonstrar que as pessoas tendem a se acostumar e a aceitar coisas que lhes são oferecidas por desconhecer as alternativas. Dessa forma, se reforçariam conceitos já existentes em cada pessoa, mesmo quando eles não sejam os melhores. Assim, diante da ausência de alternativas que questionem esses modelos, o resultado seria um grupo de pessoas embrutecidas e limitadas. Exatamente o que se via na Axion.
Pariser propõe, portanto, que os responsáveis pelos sites da Internet não usem a bolha de filtro, para que as pessoas não se tornem alienadas.
Mas os sites querem que as pessoas se sintam confortáveis, para que fiquem mais e mais tempo ali. “Como Narciso acha feio o que não é espelho”, os sites - principalmente as redes sociais - tendem a mostrar os conteúdos com os quais cada pessoa se identifique mais. Aparentemente está dando certo: exibindo o que cada um gosta, os internautas têm passado mais tempo nas redes sociais.
Mas porque as pessoas estão deixando que isso aconteça? Como dissemos no começo, o ser humano tem uma necessidade de estar junto com o outro, de se relacionar e interatuar constantemente. Pois é a partir do outro que o ser humano vai se construindo: somos gregários por natureza. E a internet - particularmente as redes sociais - vem facilitando imensamente a realização desse desejo.
Poderíamos até dizer que essa “internet consensual” seria uma materialização tecnológica do que Carl Gustav Jung chamou de “Inconsciente Coletivo”. Esta seria a instância mais profunda da nossa psique, onde residem os conceitos primários da humanidade, como a diferença entre o bem e o mal, a sombra e a luz, etc.
O Inconsciente Coletivo seria então o espaço simbólico da nossa psique onde sonhamos, somos heróis e é também a região psíquica que abriga as imagens arquetípicas comuns a todos os seres humanos. Contém, portanto, uma incrível riqueza psíquica. Porém, contém também o risco de nos deixarmos fisgar pelas armadilhas do prazer, justamente por nos identificarmos facilmente com tudo que ali encontramos. O “uso abusivo” desse recurso pode distorcer a nossa visão do mundo, pois esse mesmo mundo está longe de ser tão consensual conosco.
Por isso, não é de se estranhar que as pessoas usem as redes sociais de maneira crescente. Elas querem projetar no mundo real determinada imagem de si próprias, esperando receber em troca uma “confirmação” de que o mundo se parece com elas. O que obviamente não acontece: o mundo é o que é, e não vai se moldar aos nossos desejos, por mais que as redes sociais ajudem a criar essa ilusão.
Então, assim como acontece com a imersão no Inconsciente Coletivo, o uso de ferramentas como o Facebook deve ser criterioso e acompanhado de alternativas “questionadoras” que nos “salvem” desse êxtase de consenso. Assim, não há nenhum problema em se consumir o que o Facebook nos oferece, desde que não nos alimentemos apenas dele. Precisamos sempre conhecer as alternativas que a vida nos oferece, mesmo aquelas que não nos agradam. Afinal, a chave da nossa evolução está em manter um ponto de equilíbrio entre a idealização e a realidade; entre o nosso desejo e o que lhe é conflitante e diferente.

sábado, 25 de setembro de 2010

Pais são fundamentais para o bom uso da tecnologia pela geração Z


Atualmente se escuta muito dizer que os pais são ausentes. Pela falta de tempo, outorgam a educação plena dos filhos à escola e a diversão cada vez mais aos equipamentos eletrônicos.
O vínculo da criança com aparelhos tecnológicos, como videogames, computador, celulares, internet, por sua vez, é natural. Essas crianças já nasceram nessa realidade, seja no uso da tecnologia, seja na ausência dos pais.
Pelas conversas que tenho com várias crianças e por casos que chegam ao NPPI, tiro algumas conclusões. A primeira dela é que esse uso cada vez maior da tecnologia não é necessariamente ruim. Na verdade, ela pode até ser bastante positivo, se bem usado. Tudo tem os dois lados, e o bom ou o ruim está em como se usa a tecnologia.
Outra conclusão é que não adianta proibir o uso desses equipamentos. Lembro-me do caso de uma criança de 12 anos, que jogava, segundo seus pais, exageradamente. Eles não o viam durante o dia, devido ao trabalho, mas, quando ele começou a ter problemas na escola, concluíram que o filho jogava demais. Os pais ficaram preocupados, sem saber como lidar com esta situação, e a primeira coisa que fizeram foi tirar o computador do menino e o guardar no armário. Um dia a mãe chegou mais cedo em casa e encontrou o filho dentro do armário, jogando escondido.
Essas crianças, da chamada geração Z (crianças nascidas depois de 1995), como qualquer outra, usam todos os recursos que estiverem a seu alcance. São os “nativos digitais”, outro termo que já virou um lugar comum. O que essas crianças precisam é de orientação para fazer um uso saudável dessas ferramentas, já que, com elas, podemos aprender, desenvolver mais a criatividade, melhorar o desenvolvimento cognitivo sensório motor.
Crianças só fazem coisas que estão ao seu alcance. Por isso, o olhar dos pais deve estar sempre atento, para orientar e dizer o que se pode fazer e quando. Com a tecnologia, podemos consumir informação, podemos ampliar o nosso círculo de amizades. Mas também elas precisam aprender a se proteger, pois, como no mundo fora da internet, existem muitas coisas que podem causar danos.
Já conheci crianças de seis anos usando o Orkut, porque jogam a “Fazenda Feliz”, ou o Facebook, onde tem o “Farmville”. É importante, também aqui, que os pais acompanhem seus filhos, para que não caiam nas armadilhas que pessoas de má índole deixam na rede. Esses joguinhos em si não são nenhuma ameaça, mas o que pode acontecer na rede social, como desconhecidos querendo adicionar e obter informações das crianças, pode ser. Não se sabe quem está do outro lado da tela ou o que se passa pela cabeça dessas pessoas. Isso não significa que a criança não deva entrar em redes sociais, mas sim que, para isso, ela tenha instruções específicas e acompanhamento dos pais. Os próprios termos de uso desses serviços dizem que eles devem ser usados por pessoas maiores de idade.
A intervenção dos pais também é importante para as crianças poderem usar positivamente a tecnologia. Os pais precisam se despir de preconceitos e aprender como tirar bom proveito da tecnologia, para poder explicar a seus filhos como identificar boas fontes de informação para pesquisa escolar, por exemplo. Nem tudo que aparece no alto do Google é confiável: é importante saber identificar o que é uma fonte relevante de outra qualquer (por exemplo, de sites de renomadas instituições ou publicações reconhecidas). Isso só se consegue com a prática e com a experiência. As crianças devem saber –e ser incentivadas– a fazer suas pesquisas com livros também, mas erram os pais que querem impedir que isso seja feito com a internet. Limitando a criança dessa forma, os pais estão impedindo o desenvolvimento pleno de seus filhos em um mundo cada mais conectado e rico em informações, que é o mundo da geração Z.
Por fim, cabe aos pais ainda a tarefa de oferecer alternativas para que as crianças também se desenvolvam com brincadeiras que não envolvam a tecnologia, brincadeiras como as que eles faziam quando eram crianças. Mas precisam se organizar para reservar o tempo necessário para isso no seu dia a dia. Além de muito importante para os pequenos, esses momentos também servirão para resgatar o tempo com seus filhos e um pouco do lado criança de cada adulto. Recuperar esse tempo perdido ajuda a estruturar melhor a família, o que é positivo para todos os seus membros. Não adianta ser apenas um juiz que limite, controle e dê as diretrizes para um filho robô. É importante um contato muito mais próximo com eles para que, nessas brincadeiras, se criem ambientes propícios para que a criança explore limites que não estão disponíveis quando ela está usando apenas a tecnologia.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O amor, da Internet para a realidade


Apesar de os relacionamentos amorosos via internet serem objeto de estudo atualíssimo, eles se derivam dos relacionamentos amorosos tradicionais. Apenas acompanharam a evolução dos tempos, se transformando juntamente com o ser humano e com as formas de comunicação. Poderíamos dizer que os relacionamentos pela internet são semelhantes aos que antigamente eram feitos por telefone ou carta, porém de maneira mais intensa. Isso não quer dizer que agora os sentimentos sejam mais profundos: apenas hoje as trocas acontecem de uma forma mais rápida e frequente.
Outra decorrência disso é que os relacionamentos são construídos de uma maneira mais rápida e fugaz. Poderíamos fazer um paralelo com o que acontecia antigamente na busca de prostíbulos pelos homens, para se “aliviar”. Mas hoje o homem pode se casar com a “prostituta”, que pode ser universitária e ler Sartre. Por outro lado, não podemos esquecer que o mesmo acontece com as mulheres, com menos frequência, mas de maneira igualmente intensa.
Hoje se exige um manejo psíquico muito maior para o indivíduo se relacionar no mundo real. A internet entra nesse cenário para ajudar a conhecer muitas pessoas ao mesmo tempo. Mas o que as pessoas realmente procuram? Na busca pela felicidade e pelo amor, a internet certamente é uma aliada para iniciar esse processo, as primeiras aproximações e conhecimentos. Mas isso não é suficiente para se amar de verdade uma pessoa, justamente porque carrega uma enorme dose de projeção de ambos os lados, ou seja, vemos na pessoa com quem estamos no chat aquilo que gostaríamos que ela fosse, e vice-versa.
Oras, o amor verdadeiro justamente pressupõe conhecer profunda e intimamente a pessoa amada, deixando pouco lugar para projeções. O amor existe independentemente e apesar de nossas ilusões, de nossas fraudes e de nossa autopiedade. Então, se seguirmos esse raciocínio, podemos dizer que os relacionamentos pela internet não nos oferecem, portanto, amores verdadeiros, e sim “muletas” para nossas carências. Expõem como as pessoas ultimamente necessitam se apaixonar, amar e ser amadas. A internet chega para preencher as carências e falta de amor desses internautas.
O amor está tão distorcido pelos excessos do nosso mundo e pelas perturbações do romance propagandeado como o caminho para a felicidade, que quase nunca procuramos o amor por ele mesmo. Na verdade, mal sabemos o que procurar quando o buscamos. Parece que as pessoas ainda sonham com príncipes encantados e com o mundo ideal. Mas, como isso não existe, jogamos sobre o outro as nossas expectativas, para que ele supra as nossas necessidades. E o erro desse “amor romantizado” não é amarmos a nós mesmos, que é necessário, mas o fato de amarmos de forma errada. Ao reverenciar o inconsciente com todas essas projeções, perdemos a capacidade de identificar a realidade que existe nelas. Perdemos a capacidade de perceber que estamos em busca do nosso Self, em busca de nós mesmos.
Esse sentimento verdadeiro é uma força da natureza que existe dentro nós. Aceita -e mais que isso, valoriza- o outro do jeito que é, sem o transformar no ser idealizado pela nossa projeção. Quando alguém realmente ama, ama todo o indivíduo, inclusive as coisas ruins que queremos esconder. E isso fica tão difícil nos relacionamentos essencialmente virtuais, pois a Rede nos permite justamente ser o que quisermos. Nela, podemos esconder as nossas falhas, exibindo para todo o mundo apenas o que é atraente, como uma vitrine expondo um produto a ser consumido.
A Internet pode auxiliar pessoas que têm dificuldades de se relacionar, mas fica muito difícil esconder sua subjetividade por muito tempo. Por isso, se procuramos o amor verdadeiro, ela pode ser uma excelente ferramenta para -sim- “peneirar” os pretendentes. Mas quando a coisa começa a fazer sentido, fica difícil não querer sair do âmbito virtual e ir para o real, pois é só nele que o processo pode passar a sua próxima fase. Somente então poderemos ampliar o nosso conhecimento do outro, de uma maneira que a Rede ainda não permite, inclusive pelos tantos recursos que nos oferece de criarmos as diferentes personas ou máscaras que usamos nas salas de bate-papo e sites de relacionamento.


Assim, a internet é um fenômeno, um facilitador que dá vazão ao inconsciente para ajudar a emergir os nossos desejos mais profundos e até, como dizia Carl Gustav Jung, para descobrirmos nossas feridas psíquicas e descobrir o caminho para a conscientização. Pois é nesse processo de cura que acabamos nos conhecendo. Melhoramos todos com experiências assim, mesmo que os caminhos sejam tortuosos. E podemos chegar até mesmo ao amor verdadeiro. E com a ajuda da -e não na- internet.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

III Jornada do NPPI sobre Psicologia e Informática

O NPPI – Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC-SP – realiza, no dia 20 de setembro, a sua terceira Jornada. O evento, que acontece a cada dois anos, reunirá profissionais de todo o país, que discutirão diferentes aspectos de como a Internet e a informática como um todo influenciam e modificam a psicologia, diante de novas demandas trazidas pelos clientes e possibilidades para o profissional.
Esse tema já deixou os círculos de pesquisa restritos a psicólogos, passando a fazer parte do dia-a-dia do cidadão comum. Assuntos como dependência da Internet e atendimentos psicológicos on line chegam constantemente, não apenas a grupos que pesquisam esses temas, como o próprio NPPI, mas também aos consultórios de profissionais que, na maioria dos casos, não sabem como lidar com esses novos pedidos de seus pacientes.
Apesar dessa crescente exigência do mercado, os terapeutas não podem simplesmente abraçar essa nova vertente de uma maneira leviana. A integração da informática com a psicologia exige várias novas habilidades específicas desses profissionais e abre um leque de questões éticas delicado.
Além de ter uma boa base empírica, o terapeuta tem que ter uma boa bagagem no atendimento presencial, porque provavelmente ele vai ter uma exigência maior no atendimento on line, diante de uma configuração de cenário completamente diferente. Nele, o elemento central de contato é a escrita, e não o olhar direto do terapeuta sobre seu cliente, sem expressões corporais, importantes num atendimento presencial. Além disso, o terapeuta deve ter um cuidado particular para deixar claro ao paciente o tempo estipulado para essas orientações e tempos relativos às trocas de e-mails, para evitar ansiedade extra no cliente pela demora em chegar uma resposta. Por isso, o terapeuta deve ter uma boa experiência no atendimento presencial para poder atuar de forma mais eficiente no atendimento on line.
Da mesma forma que a tecnologia afeta a psicoterapia, também a demanda da população vem se transformando e os pedidos de orientação são dos mais variados, muitos relacionados à internet. Entre os que chegam com mais freqüência no NPPI, estão as pessoas que se dizem dependentes do uso da internet, cyberbulling, problemas com games e dificuldades de relacionamentos. A demanda não é apenas da população local, mas também de outras localidades e até de outros países.
Cabe frisar que as questões éticas envolvidas nesta nova forma de intervenção psicológica ainda em pauta não podem ser iguais às normas éticas de terapia presencial. As psicoterapias on line continuam sendo aceitas pelo Conselho Federal de Psicologia se forem exclusivamente com finalidades de pesquisa. Já em outros países, como EUA e Reino Unido, esta pratica é legalizada. O fato de ser regulamentado implica diversas regras a serem observadas e o profissional deve levar em conta os aspectos específicos envolvidos em um atendimento on line como apresentado acima. Existem até guias que auxiliam o profissional nessa tarefa, assim como para quem usa estes serviços.
Outra característica que a internet e seu aspecto global trazem para os profissionais é a possibilidade de o cliente poder estar no outro lado do mundo. Isso quer dizer que o cliente pode vir de outro país, como também pode buscar um profissional além das fronteiras nacionais. Dessa forma, além do próprio conhecimento profissional da área e das exigências dessa forma de comunicação, o terapeuta deve conhecer amplamente a cultura na qual está inserido o paciente.
Muitos estudos e pesquisas vêm se realizando e são muito importantes para o desenvolvimento deste trabalho, cuja demanda cresce a cada dia. Pesquisas claras, com embasamento teórico profundo e com experimentos comprovados darão maior consistência para a legalização destes serviços. Precisamos de muita base empírica, muitos trabalhos práticos para esperarmos pelos resultados concretos.
Essa é uma área de inevitável expansão, oferece um campo imenso, mas os profissionais devem ter cautela, respeitando fronteiras e limitações para dar lugar às oportunidades. Neste sentido, a III Jornada do NPPI se propõe a discutir e trocar idéias sobre o que há de mais arrojado nesses campos no Brasil e no mundo. Esse debate é multidisciplinar e todos os profissionais e o público em geral que, de alguma maneira estejam envolvidos, estão convidados a participar. A mudança está em curso e devemos nos apropriar deste conhecimento.
Para mais informações, entre no site da III Jornada do NPPI: www.pucsp.br/nppi/jornada/