As tecnologias da atualidade ocupam espaço central na nossa vida, estando totalmente integradas ao nosso cotidiano. Poderíamos dizer que nossa interação com os recursos digitais já é tão natural e automática quanto o ato de acendermos a luz.
Hoje, a partir do celular que carregamos no
bolso, conseguimos realizar atividades que, até bem pouco tempo atrás, nos
custariam muitas horas e até, em alguns casos, bastante dinheiro. Um bom
exemplo é participar de um evento que acontece em outro país. Antes,
precisávamos reservar dias para a viagem, e fazer gastos com passagem e
hospedagem. Hoje, com ferramentas como o Hangout (reunião on line), podemos não
apenas assistir ao evento, mas também participar ativamente dele, de onde quer
que estejamos. O ganho é grande!
A internet mudou dramaticamente a forma
como nós vivemos. Mudou a maneira como nos relacionamos com as pessoas, como
trabalhamos, como nos divertimos, como aprendemos. Mas cabe uma pergunta: isso
tudo é 'apenas' bom?
Como tudo na vida, sempre há um lado bom e
um ruim. A parte boa é que há muita gente se beneficiando da tecnologia,
fazendo usos positivos dela como uma ferramenta extremamente versátil, diversificada
e poderosa. Vejo muita gente produzindo vídeos sobre diversos assuntos, desde
culinária a meditação até eventos corporativos enormes online.
É realmente muito interessante observar
esse empoderamento das pessoas. Para a maioria, a experiência é mesmo muito
positiva, porque estão usando essa tecnologia de maneira construtiva e
consciente, ou seja, como uma superferramenta para seu dia a dia, uma maneira
de deixar a sua vida mais fácil, mais divertida e produtiva.
Na última década, a popularização dos
smartphones aprimorou todo esse potencial, colocando esses recursos dentro do
nosso bolso, disponibilizando informações durante as 24 horas do dia. Tudo isso
se deve à praticidade que oferecem, pela maleabilidade dos aparelhos e dos
aplicativos. O que exige cuidado é quando algumas pessoas se perdem nesse mar
de informações e possibilidades. Elas se sentem tão seduzidas por esses
recursos, que dedicam a eles muito mais tempo que deveriam. Acabam vivendo em
função da tecnologia, e não ao contrário, como deveria ser.
Um dos motivos que podem levar as pessoas a
se comportarem desse modo é a sensação de pertencimento ao grupo, que lhes
permite compartilhar sua vida com os outros e compartilhar a vida dos outros. O
curioso é que, às vezes, esse compartilhamento acaba sendo uma ilusão, porque
as trocas acontecem com pessoas distantes. Isso desperta sensações agradáveis
de prazer no indivíduo, semelhante a certo "relaxamento". Por isso,
suas defesas acabam sendo rebaixadas, abrindo espaço para que se sintam cada
vez mais envolvidas e imersas nessas interações. É mais ou menos o mesmo
mecanismo de quando comemos um chocolate e a endorfina, assim liberada, nos
causa prazer. Em alguns casos, queremos mais e mais.
As redes sociais continuamente trabalham
para criar novos recursos que ativem ainda mais essas sensações. E isso faz
todo o sentido, para o sucesso dos seus negócios, pois uma rede social só
existe se há pessoas usando-a. Do lado do usuário, quem consegue dominar todos
esses recursos oferecidos pelos sistemas e usá-los de maneira equilibrada
transforma a tecnologia em uma grande aliada.
A adoção de uma nova tecnologia pode ser
natural e transparente para uma geração, porém exige esforço para a geração
anterior. Essas apropriações acontecem em ciclos, como em uma espiral. Se os
recursos digitais que estamos discutindo agora são transparentes para a geração
atual, ela exige um grande esforço de adaptação de seus pais. Já para esses
pais, algo como a televisão, que era completamente integrada ao seu cotidiano quando
jovens, foi uma ruptura para a geração anterior. E assim poderíamos continuar
sucessivamente com exemplos de novas tecnologias de cada época, tanto para trás
quanto à frente na história humana, pois os jovens atuais também terão que
enfrentar uma ruptura tecnológica quando forem mais velhos (e ela será natural
para seus filhos). Quem está na faixa dos 40 anos hoje deve se lembrar que seus
pais lhes diziam que a televisão os deixaria viciados. Entretanto ninguém se
diria viciado em TV hoje, por mais que a tenha assistido muito.
Toda essa transformação tecnológica vem
acompanhada de uma transformação sociocultural. Por exemplo, a chamada Geração
Y, que já está ocupando cargos de chefia nas empresas, vive um paradoxo de
produzir muito mais que seus pais, porém também trabalham muito mais. E isso
acontece porque a tecnologia lhes permite nunca abandonar sua "vida
digital", e isso inclui o trabalho: estão "ligados" o dia
inteiro.
Por isso, lhes parece normal e aceitável
receber pedidos do chefe no meio da noite seja por e-mail ou Messenger. Pior
que isso: muitos respondem aos pedidos assim que chegam, qualquer que seja a
hora. E a justificativa é quase sempre: "eu adoro o que faço, então não me
importo de receber mensagens no meio da madrugada".
Existe uma ironia que diz que a tecnologia
resolve problemas que não existiam antes dela ser criada.
Dessa forma, as pessoas criam novas
maneiras de se comunicar, de se relacionar e criam contextos para si e para o
coletivo. Isso está destravando muitas possibilidades para todos, um potencial
que antes era menos acessível. Portanto, o que as pessoas que "nunca
desligam" precisam aprender, é dizer NÃO e colocar limites a si mesmas e
para o grupo a que pertencem. Pois essa aparente idolatria sem limites - seu trabalho
ou a tecnologia - pode vir a cobrar altos custos ao longo de suas vidas.
Por essas razões, não devemos nos deixar
levar por preconceitos - positivos ou negativos - frente aos modos de uso da
tecnologia digital. Somente a experiência pessoal, lúcida e consciente poderá
nos demonstrar qual é a medida justa e adequada aos limites pessoais do seu uso
pleno e criativo: aquele no qual nem somos escravizados, nem fascinados pelos
seus apelos. Afinal, qualquer e-mail do trabalho pode esperar até o início do
expediente, na manhã seguinte. E o mundo não acabará por isso.