terça-feira, 25 de outubro de 2016

Os riscos da “gamificação da psicologia”



“Eu baixei um aplicativo e o resultado final foi ‘risco de suicídio alto’. Minha mãe achava que era só uma tristeza passageira, minha avó dizia que eu deveria estar com pressão baixa e alguns amigos que continuaram a falar comigo achavam que eu estava fazendo drama.”
Relatos como o dessa adolescente chegam cada vez mais ao NPPI. Pessoas com qualquer tipo de problema estão usando recursos digitais, como sites, aplicativos e até games para fazer um autodiagnostico psicológico. Essa necessidade de dar um nome ao que sente visa, de alguma maneira, diminuir a angústia que a pessoa está sentindo naquele momento. Mas esses diagnósticos, normalmente feitos após responder umas poucas perguntas, são para lá de questionáveis e imprecisos. Por isso, geram um seríssimo risco para a integridade dessas pessoas, pois elas podem começar a tomar decisões a partir dessa informação.
“Cheguei até vocês depois de muita busca para aprender a identificar a depressão e a baixa autoestima. Infelizmente muito do que li nos sites na internet fez meu coração acelerar de medo, porque agora, desempregado e sem plano de saúde, só falta aparecer um problema sério desse. Já pesquisei formas de combate, inclusive vou fazer a lista de alimentos estimulantes.”
A atual crise pelo qual passa o país certamente aumenta essa sensação de vulnerabilidade e até de desespero das pessoas. Nesse cenário, elas começam a procurar soluções rápidas e até “mágicas” para seus problemas. E a internet, que é tida como um “guru que tudo sabe”, surge como uma alternativa muito sedutora e “sábia” para isso.
De uns tempos para cá, temos observado uma explosão de testes, dos mais variados assuntos, principalmente no Facebook, que não passam de brincadeiras. Mas também temos observado a existência de muitos outros, com propostas “sérias” para realizar diferentes diagnósticos psicológicos. Muitos desses testes são desenvolvidos sem a participação de um profissional de psicologia. O usuário pode realizá-lo sem o acompanhamento de ninguém, o que compromete o resultado que possa vir dali. Isso, com certeza, pode representar um sério risco ao indivíduo, que pode tomar decisões serias a partir desses resultados.
É muito difícil chegar a um diagnóstico simplesmente jogando ou fazendo um teste online, respondendo algumas perguntas. E, por isso, a explosão desses serviços é preocupante, porque muitas pessoas estão efetivamente vulneráveis e confiando nos supostos diagnósticos que eles emitem.
O primeiro alerta deve ser feito à própria comunidade de psicologia, por esta banalização e disseminação dos testes psicológicos nos meios digitais, testes que deveriam ser restritos aos profissionais da área. Os testes são instrumentos que ajudam o psicólogo a desenvolver hipóteses para ampliar e compreender melhor as características do seu cliente.
Com tudo isso, muitas pessoas nos escrevem preocupadas, por conta de diagnósticos que resultam desses serviços, que tratam de assuntos muito sérios de uma maneira automatizada.  As pessoas acreditam neles e entram em pânico, porque ficam completamente desamparadas por não ter um profissional para apoiá-las num eventual processo de recuperação.
Todos nós temos componentes positivos e negativos em nossa personalidade, que surgem em maior ou menor grau ao longo da vida. Tais testes podem mostrar, de maneira ampliada, um momento ruim de vida da pessoa com se fosse uma característica permanentemente marcante de sua personalidade.
Então uma pessoa que se submete a isso provavelmente não vai saber o que fazer com os resultados. Dessa forma, corre o risco de assumir que aquela informação é uma verdade incontestável, assumindo e se comportando como se tivesse um problema que na realidade não tem. Pior que isso: é possível que o problema surja de fato, por causa dessa sugestão.
Como dissemos acima, vivemos um momento em que parece que tudo deve ter um nome, um rótulo, onde as nuances são eliminadas. Mas o mundo é cheio de nuances, de opostos e isto é algo que esses testes não conseguem captar por si só. Além disso, passamos por um momento de fragilidade emocional por conta das crises econômicas, sociais, guerras, terrorismo e outros elementos, que fazem com que as pessoas procurem respostas para suas angústias, de preferência de uma maneira imediata. Não é de estranhar, portanto, que o público que mais usa esses serviços são os adolescentes, devido aos questionamentos da idade. Esses casos são ainda mais delicados, porque eles são naturalmente mais suscetíveis a esse tipo de resultados.

Por tudo isso, as pessoas envolvidas no desenvolvimento desses serviços precisam se conscientizar de que essa não é uma pratica legítima, e que pode causar sérios danos à população. Um diagnóstico psicológico é algo muito sério e que envolve uma análise cuidadosa de cada indivíduo. Isso não pode ser simplesmente automatizado. Não se pode gamificar a psicologia.

domingo, 27 de março de 2016

Feliz Páscoa de ressurreição!


Feliz passagem para todos nós, pois esta é época de reflexão sobre morte e renascimento. Que tenhamos a possibilidade de reciclar o nosso lixo emocional e as atitudes e crenças que estão obsoletas na nossa psique. Trabalhemos o AMOR consciente como um desafio pessoal e permitamo-nos emanar um amor mais consciente. Quando percebermos que os outros com quem nos relacionamos são verdadeiras projeções dos nossos desejos e carências, quando assumirmos que os defeitos que vemos nos outros e que nos magoam são as nossas próprias sombras a se manifestar e a pedir para serem tratadas, quando sentirmos que o verdadeiro amor está em nós e não no que o outro nos dá, então estaremos no bom caminho da liberdade e ao nosso próprio encontro.

Que consigamos ser mais leves, descompromissados e mais livres de soberba e de poder desmedido. Isso é, na realidade, o que simbolicamente vivenciamos todos os anos durante a Semana Santa, ao celebrarmos a jornada de Jesus, que é o arquétipo da Grande Síntese entre o humano e do divino. Da união das polaridades, do encontro do sofrimento e da morte com a Ressurreição. Pensemos no nosso próprio renascimento para algo novo e melhor.

Feliz Páscoa! Feliz Vida para todos, todos os dias!!!

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Novas tecnologias estão aí para nos servir e não o contrário


As tecnologias da atualidade ocupam espaço central na nossa vida, estando totalmente integradas ao nosso cotidiano. Poderíamos dizer que nossa interação com os recursos digitais já é tão natural e automática quanto o ato de acendermos a luz.
Hoje, a partir do celular que carregamos no bolso, conseguimos realizar atividades que, até bem pouco tempo atrás, nos custariam muitas horas e até, em alguns casos, bastante dinheiro. Um bom exemplo é participar de um evento que acontece em outro país. Antes, precisávamos reservar dias para a viagem, e fazer gastos com passagem e hospedagem. Hoje, com ferramentas como o Hangout (reunião on line), podemos não apenas assistir ao evento, mas também participar ativamente dele, de onde quer que estejamos. O ganho é grande!
A internet mudou dramaticamente a forma como nós vivemos. Mudou a maneira como nos relacionamos com as pessoas, como trabalhamos, como nos divertimos, como aprendemos. Mas cabe uma pergunta: isso tudo é 'apenas' bom?
Como tudo na vida, sempre há um lado bom e um ruim. A parte boa é que há muita gente se beneficiando da tecnologia, fazendo usos positivos dela como uma ferramenta extremamente versátil, diversificada e poderosa. Vejo muita gente produzindo vídeos sobre diversos assuntos, desde culinária a meditação até eventos corporativos enormes online.
É realmente muito interessante observar esse empoderamento das pessoas. Para a maioria, a experiência é mesmo muito positiva, porque estão usando essa tecnologia de maneira construtiva e consciente, ou seja, como uma superferramenta para seu dia a dia, uma maneira de deixar a sua vida mais fácil, mais divertida e produtiva.
Na última década, a popularização dos smartphones aprimorou todo esse potencial, colocando esses recursos dentro do nosso bolso, disponibilizando informações durante as 24 horas do dia. Tudo isso se deve à praticidade que oferecem, pela maleabilidade dos aparelhos e dos aplicativos. O que exige cuidado é quando algumas pessoas se perdem nesse mar de informações e possibilidades. Elas se sentem tão seduzidas por esses recursos, que dedicam a eles muito mais tempo que deveriam. Acabam vivendo em função da tecnologia, e não ao contrário, como deveria ser.
Um dos motivos que podem levar as pessoas a se comportarem desse modo é a sensação de pertencimento ao grupo, que lhes permite compartilhar sua vida com os outros e compartilhar a vida dos outros. O curioso é que, às vezes, esse compartilhamento acaba sendo uma ilusão, porque as trocas acontecem com pessoas distantes. Isso desperta sensações agradáveis de prazer no indivíduo, semelhante a certo "relaxamento". Por isso, suas defesas acabam sendo rebaixadas, abrindo espaço para que se sintam cada vez mais envolvidas e imersas nessas interações. É mais ou menos o mesmo mecanismo de quando comemos um chocolate e a endorfina, assim liberada, nos causa prazer. Em alguns casos, queremos mais e mais.
As redes sociais continuamente trabalham para criar novos recursos que ativem ainda mais essas sensações. E isso faz todo o sentido, para o sucesso dos seus negócios, pois uma rede social só existe se há pessoas usando-a. Do lado do usuário, quem consegue dominar todos esses recursos oferecidos pelos sistemas e usá-los de maneira equilibrada transforma a tecnologia em uma grande aliada.
A adoção de uma nova tecnologia pode ser natural e transparente para uma geração, porém exige esforço para a geração anterior. Essas apropriações acontecem em ciclos, como em uma espiral. Se os recursos digitais que estamos discutindo agora são transparentes para a geração atual, ela exige um grande esforço de adaptação de seus pais. Já para esses pais, algo como a televisão, que era completamente integrada ao seu cotidiano quando jovens, foi uma ruptura para a geração anterior. E assim poderíamos continuar sucessivamente com exemplos de novas tecnologias de cada época, tanto para trás quanto à frente na história humana, pois os jovens atuais também terão que enfrentar uma ruptura tecnológica quando forem mais velhos (e ela será natural para seus filhos). Quem está na faixa dos 40 anos hoje deve se lembrar que seus pais lhes diziam que a televisão os deixaria viciados. Entretanto ninguém se diria viciado em TV hoje, por mais que a tenha assistido muito.
Toda essa transformação tecnológica vem acompanhada de uma transformação sociocultural. Por exemplo, a chamada Geração Y, que já está ocupando cargos de chefia nas empresas, vive um paradoxo de produzir muito mais que seus pais, porém também trabalham muito mais. E isso acontece porque a tecnologia lhes permite nunca abandonar sua "vida digital", e isso inclui o trabalho: estão "ligados" o dia inteiro.
Por isso, lhes parece normal e aceitável receber pedidos do chefe no meio da noite seja por e-mail ou Messenger. Pior que isso: muitos respondem aos pedidos assim que chegam, qualquer que seja a hora. E a justificativa é quase sempre: "eu adoro o que faço, então não me importo de receber mensagens no meio da madrugada".
Existe uma ironia que diz que a tecnologia resolve problemas que não existiam antes dela ser criada.
Dessa forma, as pessoas criam novas maneiras de se comunicar, de se relacionar e criam contextos para si e para o coletivo. Isso está destravando muitas possibilidades para todos, um potencial que antes era menos acessível. Portanto, o que as pessoas que "nunca desligam" precisam aprender, é dizer NÃO e colocar limites a si mesmas e para o grupo a que pertencem. Pois essa aparente idolatria sem limites - seu trabalho ou a tecnologia - pode vir a cobrar altos custos ao longo de suas vidas.

Por essas razões, não devemos nos deixar levar por preconceitos - positivos ou negativos - frente aos modos de uso da tecnologia digital. Somente a experiência pessoal, lúcida e consciente poderá nos demonstrar qual é a medida justa e adequada aos limites pessoais do seu uso pleno e criativo: aquele no qual nem somos escravizados, nem fascinados pelos seus apelos. Afinal, qualquer e-mail do trabalho pode esperar até o início do expediente, na manhã seguinte. E o mundo não acabará por isso.