quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O que há por trás da irresistível atração das redes sociais


Há anos, quando criei minha primeira conta de e-mail, ligava meu computador e me emocionava ao ouvir o som de “chegou mensagem para você”. Era um singelo aviso de que alguém tinha me mandado um e-mail. Depois, vieram os barulhinhos do ICQ e do MSN, que também causavam a mesma sensação. Surgiram então as redes sociais e suas comunidades, até chegarmos finalmente no Facebook, que, apesar de não ser o mais recente, é a “bola da vez” no que diz respeito a interação pela internet.
À medida que o tempo foi passando, o ciberespaço tem oferecido maneiras cada vez mais ricas e sofisticadas de nos sentirmos de alguma forma, conectados com pessoas de diferentes partes do mundo, como se estivessem ao nosso lado. E os internautas gostam muito dessa facilidade.
Nos dias 6 e 7 de outubro/11, durante o evento “Psicologia On-line São Paulo 2011 - Discutindo as Dimensões do Atendimento Psicológico à Distância” (no CRP-SP), um dos palestrantes mencionou dados interessantes divulgados pelo instituto comScore, referência mundial em métricas de internet. Segundo esse instituto, de março de 2010 a março de 2011 o tempo gasto por americanos na internet como um todo caiu 9%. Em contrapartida, no mesmo período o tempo gasto no Facebook aumentou 69%.
De fato, toda vez que entro no Facebook percebo que muita gente já passou por lá desde meu último login. Essas pessoas postaram uma série de comentários, notícias, críticas, pensamentos, fotos de seus familiares, comentários sobre a balada da noite anterior ou até mesmo o que estavam fazendo naquele momento, por mais sem importância que fosse. É como se existisse uma necessidade urgente de saber do outro e de se mostrar para o outro em meio a esse mar de informações, onde tudo pode ser expresso, onde tudo pode acontecer.
Eu me pergunto: será que as pessoas estão ficando alienadas ou estão sendo “sugadas” por esse mundo tão sedutor que está a nossa frente, o tempo todo nos convidando para experimentar seus “suculentos aperitivos”? O que torna tudo isso mais interessante é que são os nossos amigos, as pessoas que apreciamos, ou amigos do passado que não víamos há anos, que nos apresentam aquilo que queremos ver ou saber. De alguma forma, existem ali interesses comuns por determinados assuntos, além de coisas das quais gostamos.
Como o Facebook parece acertar tão bem meus gostos? Chego a perguntar: o que há de tão especial nesse espaço virtual no qual mergulhamos aparentemente sem nenhum receio, e do qual, cada vez mais, fazemos parte? Será que, de alguma maneira, as pessoas estão sendo moldadas, controladas pela internet, pelo Facebook sem se darem conta? Para onde estamos caminhando com tudo isto?
Lembro-me do filme Wall-E e dos passageiros da nave Axion, todos bem acomodados, sendo servidos por robôs sem fazer esforço algum. Por conta de toda essa mordomia, as pessoas foram se tornando completamente sedentárias e obesas. Até seus corpos se atrofiaram e nem andar podiam mais: moviam-se sentados em cadeiras flutuantes. Além disso, tudo o que tinham a fazer, ou como deveriam se comportar lhes era informado por meio de mensagens publicitárias, seguidas por todos sem nenhum questionamento.
Saindo da ficção, o ativista americano Eli Pariser nos apresenta ideias interessantes sobre esse fenômeno em sua teoria chamada “bolha de filtro“. Esse autor procura demonstrar que as pessoas tendem a se acostumar e a aceitar coisas que lhes são oferecidas por desconhecer as alternativas. Dessa forma, se reforçariam conceitos já existentes em cada pessoa, mesmo quando eles não sejam os melhores. Assim, diante da ausência de alternativas que questionem esses modelos, o resultado seria um grupo de pessoas embrutecidas e limitadas. Exatamente o que se via na Axion.
Pariser propõe, portanto, que os responsáveis pelos sites da Internet não usem a bolha de filtro, para que as pessoas não se tornem alienadas.
Mas os sites querem que as pessoas se sintam confortáveis, para que fiquem mais e mais tempo ali. “Como Narciso acha feio o que não é espelho”, os sites - principalmente as redes sociais - tendem a mostrar os conteúdos com os quais cada pessoa se identifique mais. Aparentemente está dando certo: exibindo o que cada um gosta, os internautas têm passado mais tempo nas redes sociais.
Mas porque as pessoas estão deixando que isso aconteça? Como dissemos no começo, o ser humano tem uma necessidade de estar junto com o outro, de se relacionar e interatuar constantemente. Pois é a partir do outro que o ser humano vai se construindo: somos gregários por natureza. E a internet - particularmente as redes sociais - vem facilitando imensamente a realização desse desejo.
Poderíamos até dizer que essa “internet consensual” seria uma materialização tecnológica do que Carl Gustav Jung chamou de “Inconsciente Coletivo”. Esta seria a instância mais profunda da nossa psique, onde residem os conceitos primários da humanidade, como a diferença entre o bem e o mal, a sombra e a luz, etc.
O Inconsciente Coletivo seria então o espaço simbólico da nossa psique onde sonhamos, somos heróis e é também a região psíquica que abriga as imagens arquetípicas comuns a todos os seres humanos. Contém, portanto, uma incrível riqueza psíquica. Porém, contém também o risco de nos deixarmos fisgar pelas armadilhas do prazer, justamente por nos identificarmos facilmente com tudo que ali encontramos. O “uso abusivo” desse recurso pode distorcer a nossa visão do mundo, pois esse mesmo mundo está longe de ser tão consensual conosco.
Por isso, não é de se estranhar que as pessoas usem as redes sociais de maneira crescente. Elas querem projetar no mundo real determinada imagem de si próprias, esperando receber em troca uma “confirmação” de que o mundo se parece com elas. O que obviamente não acontece: o mundo é o que é, e não vai se moldar aos nossos desejos, por mais que as redes sociais ajudem a criar essa ilusão.
Então, assim como acontece com a imersão no Inconsciente Coletivo, o uso de ferramentas como o Facebook deve ser criterioso e acompanhado de alternativas “questionadoras” que nos “salvem” desse êxtase de consenso. Assim, não há nenhum problema em se consumir o que o Facebook nos oferece, desde que não nos alimentemos apenas dele. Precisamos sempre conhecer as alternativas que a vida nos oferece, mesmo aquelas que não nos agradam. Afinal, a chave da nossa evolução está em manter um ponto de equilíbrio entre a idealização e a realidade; entre o nosso desejo e o que lhe é conflitante e diferente.