quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Existe traição pela internet?


Às vezes nos perguntamos qual seria a nossa reação se nos deparássemos com um caso de traição pela Internet. Para discutirmos se existe essa modalidade de traição, precisamos antes entender o que é traição. E, para isso, precisamos entender o que amor. Será que a traição é somente a quebra de algum contrato determinado entre duas partes? Será que isto acontece de diferentes maneiras para cada sociedade ou cultura? Ou será que está implícita em cada individuo?
De fato, isso varia de acordo com cada indivíduo, com seus princípios morais e religiosos. Por exemplo, podemos citar a cultura muçulmana, onde o homem pode ter o número de mulheres que desejar, sempre e quando ele tenha possibilidade de sustentar todas elas. Ainda, nesse mesmo caso, todas as mulheres que ele venha a ter aceitam este fato como normal, pois isto faz parte da sua cultura.
Na nossa sociedade ocidental, verificamos que este conceito varia muito, já que é muito sabido que existem pessoas que incentivam seus parceiros a ter relações extraconjugais para melhorar o amor do casal. Da mesma forma, encontram-se facilmente casais na Internet a procura de sexo para satisfazer seus fins.
Cabe aqui também uma outra pergunta: será que alguém que trai na vida real ou na Internet não estaria à procura de algo que preencha a sua carência ou a sua falta de amor? Trocando em miúdos, muitas vezes a pessoa trai porque seu relacionamento “oficial” não está suprindo todas as suas necessidades.
Isso não é uma invenção moderna e nem nasceu com a Internet. A história e a mitologia tratam disso frequentemente. No século XII, os trovadores da nobreza de Provença, conhecidos como os cantores do amor, estavam muito interessados na psicologia do amor, e foram os primeiros, no Ocidente, a pensar nele do modo como ainda hoje o fazemos - como uma relação entre apenas duas pessoas.
Antes deles, o amor podia ser dividido entre a expressão de Eros –o deus grego que excitava o apetite sexual– ou de Ágape –que representava o amor espiritual, do tipo "ame o seu próximo como a si mesmo, sem importar-se com quem seja a pessoa". Não tinham nada a ver com a experiência de apaixonar-se, como os trovadores a compreenderam e pregaram, lançando as bases para o “amor ocidental”. As pessoas daquela época não tinham o conhecimento do amor como o conhecemos hoje.
O amor dos casais de hoje é algo muito pessoal, diferente das formas impessoais de amor da Antiguidade. Por ser algo que está no centro de nossas vidas, ele é estudado, cantado, versado, discutido. Joseph Campbell (autor do best-seller "O Poder do Mito"), afirma que o amor no Ocidente é um ideal puramente pessoal, um arrebatamento que pode surgir de um simples encontro dos olhares. Desde os trovadores, é uma experiência entre duas pessoas.
Será que pode existir esse tipo de amor pela Internet, uma vez que geralmente esses encontros apenas acontecem com desconhecidos uma vez e nada mais? Alguém que já tem um relacionamento estável e sai em busca pelo prazer puro, como ditava Eros na Antiguidade, está provocando um ferimento no amor, uma quebra do "contrato"? Novamente essa é uma questão individual, que depende dos conceitos morais de cada pessoa e de cada casal.
O problema maior aparece quando o relacionamento evolui, como na história de Tristão e Isolda. De acordo com este mito, Isolda estava comprometida com o rei Mark. Em sua viagem para se encontrar com o futuro marido, ela foi escoltada por Tristão. No caminho, os dois acidentalmente beberam uma poção que a mãe de Isolda havia preparado para que a filha e o rei se apaixonassem. Na verdade, o mito conta que eles já estavam apaixonados; a poção apenas trouxe à tona esse amor. Pelos padrões medievais, esse amor altamente espiritualizado era considerado adultério, uma heresia. O casamento válido, o contrato, era o que deveria ter acontecido com o rei.
Transpondo esse mito para nossa realidade, a Internet funcionaria como a poção da mãe de Isolda. Ela serviria como um facilitador para alguém que já está vivendo problemas latentes –ainda que não percebidos– no relacionamento atual. Nesse caso, aqueles encontros de apenas uma ocasião podem se transformar em algo muito mais real e freqüente.
Em resumo, respondendo essa dúvida tão freqüente: existe uma real traição nos encontros esporádicos tidos com desconhecidos, via Internet? A resposta essencial a essa questão realmente fica restrita ao íntimo de cada um, não podendo ser generalizada de nenhuma maneira. Por outro lado, se a Internet foi a "poção" que viabilizou o surgimento de um relacionamento completo, com uma terceira pessoa, então fica difícil negar que tenha havido uma traição. E com a ajuda da Internet.