“Eu baixei um aplicativo e o resultado final foi ‘risco de
suicídio alto’. Minha mãe achava que era só uma tristeza passageira, minha avó
dizia que eu deveria estar com pressão baixa e alguns amigos que continuaram a
falar comigo achavam que eu estava fazendo drama.”
Relatos como o dessa adolescente chegam
cada vez mais ao NPPI. Pessoas com qualquer tipo de problema estão usando
recursos digitais, como sites, aplicativos e até games para fazer um
autodiagnostico psicológico. Essa necessidade de dar um nome ao que sente visa,
de alguma maneira, diminuir a angústia que a pessoa está sentindo naquele
momento. Mas esses diagnósticos, normalmente feitos após responder umas poucas
perguntas, são para lá de questionáveis e imprecisos. Por isso, geram um
seríssimo risco para a integridade dessas pessoas, pois elas podem começar a
tomar decisões a partir dessa informação.
“Cheguei até vocês depois de muita busca para aprender a
identificar a depressão e a baixa autoestima. Infelizmente muito do que li nos
sites na internet fez meu coração acelerar de medo, porque agora, desempregado
e sem plano de saúde, só falta aparecer um problema sério desse. Já pesquisei
formas de combate, inclusive vou fazer a lista de alimentos estimulantes.”
A atual crise pelo qual passa o país
certamente aumenta essa sensação de vulnerabilidade e até de desespero das
pessoas. Nesse cenário, elas começam a procurar soluções rápidas e até
“mágicas” para seus problemas. E a internet, que é tida como um “guru que tudo
sabe”, surge como uma alternativa muito sedutora e “sábia” para isso.
De uns tempos para cá, temos observado uma
explosão de testes, dos mais variados assuntos, principalmente no Facebook, que
não passam de brincadeiras. Mas também temos observado a existência de muitos
outros, com propostas “sérias” para realizar diferentes diagnósticos
psicológicos. Muitos desses testes são desenvolvidos sem a participação de um
profissional de psicologia. O usuário pode realizá-lo sem o acompanhamento de
ninguém, o que compromete o resultado que possa vir dali. Isso, com certeza,
pode representar um sério risco ao indivíduo, que pode tomar decisões serias a
partir desses resultados.
É muito difícil chegar a um diagnóstico
simplesmente jogando ou fazendo um teste online, respondendo algumas perguntas.
E, por isso, a explosão desses serviços é preocupante, porque muitas pessoas
estão efetivamente vulneráveis e confiando nos supostos diagnósticos que eles
emitem.
O primeiro alerta deve ser feito à própria
comunidade de psicologia, por esta banalização e disseminação dos testes
psicológicos nos meios digitais, testes que deveriam ser restritos aos profissionais
da área. Os testes são instrumentos que ajudam o psicólogo a desenvolver
hipóteses para ampliar e compreender melhor as características do seu cliente.
Com tudo isso, muitas pessoas nos escrevem
preocupadas, por conta de diagnósticos que resultam desses serviços, que tratam
de assuntos muito sérios de uma maneira automatizada. As pessoas acreditam neles e entram em pânico,
porque ficam completamente desamparadas por não ter um profissional para
apoiá-las num eventual processo de recuperação.
Todos nós temos componentes positivos e
negativos em nossa personalidade, que surgem em maior ou menor grau ao longo da
vida. Tais testes podem mostrar, de maneira ampliada, um momento ruim de vida da
pessoa com se fosse uma característica permanentemente marcante de sua
personalidade.
Então uma pessoa que se submete a isso
provavelmente não vai saber o que fazer com os resultados. Dessa forma, corre o
risco de assumir que aquela informação é uma verdade incontestável, assumindo e
se comportando como se tivesse um problema que na realidade não tem. Pior que
isso: é possível que o problema surja de fato, por causa dessa sugestão.
Como dissemos acima, vivemos um momento em
que parece que tudo deve ter um nome, um rótulo, onde as nuances são
eliminadas. Mas o mundo é cheio de nuances, de opostos e isto é algo que esses
testes não conseguem captar por si só. Além disso, passamos por um momento de
fragilidade emocional por conta das crises econômicas, sociais, guerras,
terrorismo e outros elementos, que fazem com que as pessoas procurem respostas
para suas angústias, de preferência de uma maneira imediata. Não é de
estranhar, portanto, que o público que mais usa esses serviços são os adolescentes,
devido aos questionamentos da idade. Esses casos são ainda mais delicados,
porque eles são naturalmente mais suscetíveis a esse tipo de resultados.
Por tudo isso, as pessoas envolvidas no
desenvolvimento desses serviços precisam se conscientizar de que essa não é uma
pratica legítima, e que pode causar sérios danos à população. Um diagnóstico
psicológico é algo muito sério e que envolve uma análise cuidadosa de cada
indivíduo. Isso não pode ser simplesmente automatizado. Não se pode gamificar a
psicologia.