domingo, 25 de outubro de 2015

Consciência do uso que fazemos evita a nossa dependência da tecnologia


O ser humano sempre precisou conviver com mudanças tecnológicas, mas elas vêm acontecendo tão rapidamente, que se torna cada vez mais difícil, para algumas pessoas, absorvê-las. Há alguns dias, conversando com colegas, debatíamos justamente sobre o impacto transformador da tecnologia na vida de cada um. Estava claro para todos ali que a adoção das mais recentes inovações é um processo sem volta. Mesmo assim, alguns profissionais temem que esses produtos possam, de alguma forma, exercer um controle significativo sobre a vida dos indivíduos. Mas será que a tecnologia realmente nos controla? Ou será que estamos ”apenas” ficando dependente dessas inovações e, assim, nos tornando despreocupados com as nossas próprias informações?
Esse tipo de relação com a tecnologia aparece bem explicitamente nas redes sociais, principalmente no Facebook. Um quarto da população mundial tem conta nessa rede, incluindo, nesse cálculo, pessoas que nem têm acesso à energia elétrica (e, portanto, à Internet). Além disso, a rede de Mark Zuckerberg já chegou a contabilizar 1 bilhão de pessoas conectadas a ela em um único dia. No Brasil, o Facebook já beira 100 milhões de contas, o que representa quase a metade da população do país. Com tamanha abrangência, não seria de se espantar que qualquer ação realizada pelo Facebook causasse um impacto dramático na população mundial.
Um exemplo interessante disso aconteceu há alguns meses, quando a Suprema Corte dos EUA aprovou o casamento de pessoas do mesmo sexo naquele país. Para demonstrar seu apoio à decisão, o Facebook criou um pequeno aplicativo que colocava um arco-íris translúcido sobre a foto do perfil dos usuários que quisessem demonstrar seu apoio a essa aprovação. De uma hora para outra, a rede foi inundada com fotos permeadas pelo arco-íris, inclusive de usuários daqui. Muita gente reclamou desses brasileiros, afirmando que uma decisão semelhante já havia sido tomada no Brasil anteriormente e tal apoio não tinha acontecido. Será que o casamento de pessoas de mesmo sexo nos EUA é mais importante que no Brasil, para justificar essa diferença de manifestação? É claro que não! Mas o Facebook é uma empresa americana e, como tal, decidiu apoiar algo que estava acontecendo em seu país, criando o tal aplicativo.
É muito provável que a maioria das pessoas que modificou sua foto não faria qualquer comentário sobre o assunto se o Facebook não tivesse oferecido esse recurso. Podemos dizer, então, que o Facebook provocou um aumento na simpatia pela causa em pessoas que normalmente não estariam engajadas com ela? A resposta provavelmente é “sim”, demonstrando um controle da rede sobre os indivíduos. Mas a influência do Facebook pode ser ainda maior.
Em 2012, Adam Kramer, cientista social do Facebook, realizou uma pesquisa na qual selecionou aleatoriamente 700 mil usuários da rede. Manipulando o algoritmo do feed de notícias dessas pessoas, fez com que metade desses indivíduos passassem a ver apenas coisas negativas no seu feed de notícias, enquanto os outros 350 mil veriam apenas posts positivos. Depois disso, utilizando um sistema de análise semântica, concluiu que as pessoas que só viam conteúdos negativos passaram a publicar coisas negativas, enquanto o outro grupo postava itens positivos. Ou seja, segundo seus dados, ele conseguiu manipular as emoções dos usuários apenas alterando o sistema de controle do que cada um veria no Facebook.
A psicóloga e pesquisadora americana Sherry Turkle acredita que estejamos usando a tecnologia para preencher vazios que todos nós temos no nosso dia-a-dia, e que estamos perdendo o controle desse processo. No seu terceiro livro, “A Vida na Tela”, lançado em 1995, ela afirmava que o acesso à internet seria uma ampliação de possibilidades para o ser humano. Porém, hoje ela acredita que as pessoas não conseguem mais se desconectar e, por isso, estão perdendo a capacidade de desenvolver conversas “reais”, apesar de estarem constantemente em contato virtual com os outros. Daí vem o título do seu novo livro de 2011, “Alone Together” (sem título em português).
O smartphone seria uma porta entre a realidade presencial das pessoas e situações que podem estar acontecendo em qualquer lugar do mundo, das quais podem participar virtualmente. E um dos lugares onde isso mais acontece é em casa, na comunicação entre os membros da família. Turkle sugere que a constante conexão das pessoas a seus celulares enfraquece os vínculos familiares, com efeitos muito negativos em todos, principalmente sobre as crianças.
A ficção já explorou essa ideia muito bem. Por exemplo, a série “Caprica”, do canal SyFy (2010), retrata a adolescente Zoe, filha de dois cientistas que eram pais ausentes. A exemplo de seu pai, dono de uma empresa que fabricava robôs e produtos ligados a realidade virtual e inteligência artificial, Zoe, ainda adolescente, preenchia essa ausência com suas próprias pesquisas de tecnologia avançada, o que acabou lhe permitindo criar uma imagem fiel da personalidade e das memórias de uma pessoa em um ambiente virtual. Essa personagem acaba sendo morta em um atentado, mas “ressuscita” no mundo virtual e mais tarde em um robô do seu pai, graças ao programa que ela havia criado e que tinha uma cópia detalhada de sua psique. Posteriormente, essa tecnologia acabou tendo um uso deturpado pela sociedade, o que levou à quase destruição da humanidade décadas depois.
Estudo realizado no começo do ano pela Symantec apontou que 74% dos brasileiros cedem dados pessoais constantemente para poder usar aplicativos em celulares, e muitas vezes de maneira consciente. Ou seja, para poder ter acesso às últimas novidades digitais, compartilhar a sua privacidade parece ser um “preço justo” a se pagar.
Como é de se esperar, as pessoas estão usando cada vez mais os recursos tecnológicos, a ponto de isso começar a causar problemas físicos e psicológicos. Esse tipo de paciente começa a ficar comum em consultórios de psicólogos e médicos. Além das questões psicológicas descritos acima, as pessoas começam a apresentar lesões por esforço repetitivo e tendinite pelo uso constante desses aparelhos.
Precisamos fazer um uso consciente e criativo da tecnologia. Ninguém está propondo que se deixe de usar os celulares, as redes sociais ou os games. O que se propõe é que eles não sirvam como compensações.
Se uma rede social está sendo usada por uma criança ou um adolescente como uma maneira de se relacionar com outras pessoas porque não tem um bom diálogo com os pais, então ela cria uma ilusão de que está acompanhada. Porém, na verdade, está ampliando ainda mais seu problema real, ou seja, seu relacionamento familiar deficiente. O mais grave é que a tendência é que a criança ou o adolescente fique cada vez mais dependente desse recurso tecnológico, justamente porque dessa maneira o problema original não se resolve.
Também podemos questionar o motivo que leva as pessoas a usarem cada vez mais aplicativos para encontrar parceiros amorosos ou sexuais. Isso acontece porque eles facilitam o processo de conhecimento e conquista do outro, reduzindo as frustrações e permitindo que cada um se apresente de uma maneira idealizada. As pessoas pulam etapas importantes para a construção desses relacionamentos e também de suas próprias personalidades, pois tais frustrações são necessárias para o fortalecimento do ego de cada indivíduo.
Mas o que aconteceu com o jeito “tradicional” de conhecer pessoas? Ele não deixou de existir. Usar esses aplicativos de vez enquanto pode ser interessante, mas fazer isso constantemente, como a única forma de conhecer pessoas, já dispara um sinal de alerta. Não podemos nos esquecer que a vida continua acontecendo “fora” dos smartphones, e ela precisa ser vivida. Todo programa, aplicativo, game e rede social é construída para que a pessoa fique cada vez mais tempo dentro dela: afinal, esse é seu negócio. Mas precisamos, justamente neste ponto, ter mais consciência do seu uso, para que isso não vire uma dependência e passemos a ser controlados por esses sistemas. Nestas situações, é importante que as pessoas parem e pensem sobre a real necessidade ou urgência do uso desses recursos tecnológicos, para que tenham mais consciência e não transformem um uso saudável em uma relação ruim. Como dissemos acima, o objetivo de todos esses produtos é que a pessoa os utilize cada vez mais, compartilhe cada vez mais as suas informações e até se exponha cada vez mais, extrapolando seus limites pessoais. Cabe a cada um evitar que isso aconteça.
No caso de crianças e adolescentes, eles ainda não conseguem fazer isso totalmente sozinhos. Pais e educadores são importantes neste processo. Como para qualquer outra coisa, os jovens precisam que limites sejam estabelecidos, combinados e cumpridos. Não se trata de simples proibição: se for feito dessa forma, a criança encontrará outros meios de burlar o limite. Pais e educadores devem explicar porque estão fazendo aquilo e oferecer alternativas, combinando atividades tecnológicas com eventos com outras crianças e familiares, passeios ao ar livre, esportes, entre outros, coisas que mudem seu foco e os ajude a extravasar e gastar energia. Além disso, os mais novos aprendem pelo exemplo: de nada adianta impor limites se os próprios pais, na sua relação com a tecnologia, demonstram um uso excessivo. Crianças e adolescentes se espelham nos seus pais, cuidadores ou professores.
A tecnologia que facilita esse “o fim justifica os meios” é muito sedutora. Fica fácil gostarmos dela e acabarmos dependentes de seus recursos. Como dissemos acima, não é uma questão de abandonar o seu uso, mas sim de não nos entregarmos cegamente aos seus encantos. Pois “usarmos conscientemente”, “sermos dependentes” ou “sermos controlados” são apenas diferentes graus ou intensidades de seu uso e do autoconhecimento de cada indivíduo no seu relacionamento com os recursos oferecidos pela tecnologia.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

A importância dos psicólogos se capacitarem para atendimentos online


A internet tornou-se uma ferramenta muito importante na vida das pessoas, sendo usada para trabalho, lazer e até relacionamentos, conhecimento e informação em geral. Isto vem acontecendo há 20 anos, porém nos últimos anos esse consumo tem acontecido de maneira muito mais veloz e natural, quase uma “simbiose” entre o homem e a máquina, especialmente pela popularização dos smartphones. Isso impactou o comportamento humano, com as pessoas vivendo uma nova forma de ser e estar no mundo.
Por conta disso, hoje se pode encontrar todo tipo de serviço na internet. Podemos buscar profissionais das mais diversas áreas, e até mesmo se vê que muitos serviços, que até então exigiam estar com o prestador, hoje são executados de maneira totalmente online. Isso vale também para serviços psicológicos.
A demanda pela terapia online já é grande e continua crescendo. Os motivos que levam as pessoas a procurar essa modalidade de atendimento ao invés de uma visita ao consultório são os mais diversos: “falta de tempo pela correria do cotidiano”, a pessoa viver em uma cidade pequena que não tenha psicólogo, pessoas que estão viajando ou aquelas que vivem em outros países, mas preferem ser atendidos por um profissional de sua nacionalidade, e ainda aqueles que não podem sair de casa, por diferentes causas. E há também aqueles que simplesmente preferem o atendimento online, por exemplo por timidez, ficando mais à vontade para se expressar pelo computador.
É preciso que fique claro que, apesar de o atendimento online ser tão eficiente quanto um presencial, ele não pode ser usado em qualquer situação, e de forma alguma deve ser visto como um substituto da terapia no consultório. É apenas mais uma modalidade de atendimento, que pode funcionar muito bem com algumas pessoas, mas nem tanto com outras. Exatamente como acontece com as diferentes linhas de atendimento tradicionais.
Por conta disso, o psicólogo precisa estar capacitado para lidar com as peculiaridades e as nuances de um atendimento online, inclusive para identificar casos patológicos que não devem ser atendidos dessa forma. Portanto, a princípio, qualquer profissional poderia realizar atendimentos online, desde que esteja habilitado para isso e siga as boas práticas que já constituem uma norma do CFP (Conselho Federal de Psicologia), através da Resolução CFP Nº 012/2005. Não basta apenas criar um site e começar a atender.
Por isso, assim como acontece antes de um atendimento em consultório, surgem dúvidas na hora de escolher o profissional. Além de insegurança que muitos sentem por contar sua vida a um “desconhecido”, surge o questionamento se um atendimento à distância realmente é eficiente. Essas questões são naturais, e a busca de um psicólogo para atendimento online fica melhor se a pessoa tiver recomendações de conhecidos. Mas na internet essa busca pode ficar ainda mais simples e refinada, pois, além de perguntar para seus amigos, a pessoa pode procurar por recomendações do profissional em redes sociais e sites especializados. Além disso, se o profissional tiver o seu próprio site, este deve ter o selo do CFP que autentica que o psicólogo está habilitado também a oferecer atendimentos online.
Tudo que vem surgindo é a própria produção do ser humano, trazendo sempre coisas boas e ruins. Cabe a cada um e aos profissionais que lidam com pessoas –psicólogos, professores, pedagogos e outros– assumirem uma postura aberta à nova realidade, para trabalhar na conscientização de um bom uso do novo que vem surgindo cada vez mais depressa.
No caso dos psicólogos, eles precisam estar preparados para atender essas demandas, não só de atendimento online, mas também de queixas relacionados a tecnologia que chegam aos consultórios. Não apenas do ponto de vista técnico e ético, mas também para compreender as novas nuances do comportamento humano. Um exemplo de problema que não existia até bem pouco tempo atrás são os ligados a redes sociais, como por exemplo ansiedade o ciúme causado por posts do cônjuge. Alguns poderiam dizer que não se trata nada além de ciúmes (o que não é nada novo). Mas os recursos oferecidos pela internet amplificam de tal forma que essa questão, que podemos dizer que se trata de uma forma inédita de lidar com seus próprios sentimentos.
Para o psicólogo, não basta saber o que é o Facebook ou como usá-lo: é preciso saber conduzir essa situação com um olhar mais apurado. E, no caso de atendimentos online, quando o trabalho é realizado por email, por exemplo, é preciso de treino para intuir as emoções que estão plasmadas em aparentemente simples palavras, que vêm carregadas de sentimentos, angústia, insegurança e outros sentimentos.
Seja como for, o atendimento, online ou presencial, deve ser realizado seguindo o Código de Ética dos psicólogos, respeitando o sigilo e cuidado com a intimidade dos pacientes. E, no caso do atendimento online, existem cuidados adicionais, já que esta modalidade não seria uma mera transposição da terapia convencional para o mundo digital: ela requer, pelo fato de o profissional não estar no mesmo ambiente do paciente, cuidados específicos, como criar um canal seguro para que o que for conversado nas sessões não seja acessado por outras pessoas.
Os profissionais devem se apropriar de seu papel nesse momento para oferecer um atendimento de qualidade a seus pacientes. Uma boa maneira de se fazer isso é participando de grupos de estudo ou de cursos de capacitação, como os oferecidos pelo NPPI (um novo módulo, totalmente online, começa agora em março: http://www.pucsp.br/pos-graduacao/especializacao-e-mba/psicologia-e-informatica-um-panorama-sobre-os-relacionamentos-virtuais-e-os-servicos-psicologicos-mediados-por-computadores ). Como se vê, os psicólogos vivem um momento muito rico de amadurecimento de uma nova modalidade de atendimento. Todos devem participar, seja no seu trabalho cotidiano, seja com as pesquisas nas universidades ou com as discussões nos Conselhos.